O som do bloco de carnaval, que passa a algumas quadras daqui, invade meus ouvidos enquanto sigo na tentativa de escrever este post. As vozes do povo na rua entoando seus cânticos em uma catarse fenomenal chega até mim como num filme em preto e branco. Mas, por que em preto e branco? Porque a única imagem colorida que se faz em minha mente é a da crença na transformação da mudança.
Ta aí... Mudar... Essa é uma palavra que nos acompanha em quaisquer fases das nossas vidas. Aonde quer que estejamos, lá está ela. Nós a invocamos, nós a suplicamos, nós precisamos dela para não enlouquecermos e continuarmos fortes em nossa jornada. Ela nos faz evoluir, nos obriga a melhorar e torna a nossa rotina demasiadamente mais interessante. Devemos gratidão a ela pelo resto da eternidade.
O que seria de nós sem a mudança? Seríamos seres entediados, fracos e desinteressados pela vida. A humanidade não teria chegado aonde agora se encontra. Talvez ainda estivéssemos tentando obter o fogo da fricção de duas rochas ou estivéssemos tentando estabelecer comunicação com povos similares. O mais provável seria a extinção da vida nesse planeta. Morreríamos por não conseguirmos caminhar e fracassaríamos perante qualquer dificuldade simplesmente pelo fato de que o que nos faz crescer e alcançar objetivos é o embalo nos benefícios da mudança favorável.
É dessa maneira que encaro qualquer oportunidade de transformação. É assim que recebo notícias de amigos queridos contando sobre novidades. Afinal de contas, as escolhas só nos são dadas como instrumento de evolução e devemos agarrá-las sem medo ou desconfiança. Se chegaram até nós é porque cresceremos junto a elas nas bem aventuranças ou nas dificuldades. Em qualquer batalha, por menor que seja, saímos fortalecidos, assim como saímos em toda transformação positiva ou não. E, foi sem acreditar no que ouvia do outro lado da linha que recebi a notícia de uma grande amiga:
- Vou me mudar...
Essa frase não causaria tanto impacto se estivesse vindo de qualquer outra pessoa. Mas, dela não. Não era possível que isso estivesse acontecendo:
- Como assim se mudar? Você vai ter que sair desse apê?
- Pois é... A Luana pediu as chaves. Parece que ela se separou e quer voltar pra cá.
Sem querer acreditar no que acabara de ouvir, busquei lá no meu interior aquelas palavras clichês de incentivo e emendei:
- Teca, vai ser ótimo. Você vai ver.
- Ai, Fló, estou arrasada... Já chorei tanto...
Era hora de falar mal do que seria o passado e valorizar o futuro:
- Ó, esse apê nem é bom pra você. É super longe do trabalho, é isolado do mundo, tem mofo, faz você perder horas no trânsito... Você vai ver como vai ser melhor procurar um lugar mais bem localizado. Vai ser outra vida! Mudança, Teca! Mudança! Isso é ótimo!
Bom, eu tentei... Mas, confesso que não foi uma tarefa fácil. A Teca se mudou quatro vezes nos últimos dois anos. Essa seria a quinta mudança... Sempre que ela se estabeleceu bem num lugar e conseguiu viver feliz e adaptada, algo aconteceu e ela teve que se mudar. Palavras de incentivo, como as que tentei jogar pra ela em nossa ligação, já devem ter sido ouvidas milhares de vezes em cada nova mudança. De qualquer maneira, não havia nada diferente a dizer. Devíamos acreditar que seria bom pra ela.
O mês se passou e a procura ensandecida por um novo lar se intensificou. Ela passava horas catando anúncios de jornais, ligando para corretores, visitando apartamentos. Até que encontrou um bom: perto do trabalho, com preço razoável. Burocracias à parte – e, vamos combinar como são chatas essas tais burocracias –, chegou o grande dia: o dia da mudança!
Lá fui eu, cheia de gás, ajudá-la nessa nova empreitada. Quando ela me viu, abriu um sorriso de orelha a orelha. Ela tinha dúvidas que eu apareceria para ajudar? Bom, além do frete, carregado de móveis e eletrodomésticos, enchemos nossos carros com inúmeras malas e sacolas de todos os tipos. Subimos e descemos as escadas do apê quase vazio umas quinze vezes. Dirigimos até o novo lar e descarregamos uns oito carrinhos de compras. Depois, voltamos até o antigo apê e repetimos toda a operação.
O resultado do fim do dia era: um apartamento vazio, frio, pronto para receber um monte de outros móveis, eletrodomésticos, malas, sacolas e uma vida cheia de esperanças e, um outro apartamento que, antes vazio e frio, agora continha um futuro inteiro, pronto pra recomeçar.
Como a gente tem tralha! Eu tinha que interromper o fio da meada para fazer essa observação. É impressionante como um ser humano consegue juntar tanta coisa ao longo da vida. Mas, o problema não é juntar. O problema é o quanto nos apegamos a coisas que tem histórias: é o bibelô quebrado que ganhamos no aniversário de quatro anos, o ursinho de pelúcia do primeiro namorado, o short surrado que nos acompanha há anos, o caderno da quinta série cheio de anotações dos amiguinhos e por aí vai... Carregamos um monte de coisa que nos fazem reafirmar nossa identidade constantemente, que fazem com que olhemos para trás e enxerguemos uma vida repleta de situações interessantes. Precisamos disso para recarregar energias e confiarmos em nós mesmos.
Teca e eu olhamos ao redor e parecíamos não acreditar no tanto de coisa que havíamos carregado. Ficamos felizes. Algo se acendeu no coração da minha amiga. A possibilidade de uma transformação positiva oriunda de uma mudança imposta pela vida fazia-a sorrir novamente. Começamos a traçar planos para os próximos meses e, dessa maneira, já achávamos que nada melhor poderia ter acontecido. Era uma página virada. Um capítulo finalizado. E isso inundava seu coração com forças para seguir em frente. Saímos para jantar e brindamos, esperançosas, a nova fase que surgia.
Somos seres que precisamos de mudanças para continuarmos confiantes e felizes. É o recomeço proveniente da mudança que alimenta nosso dia-a-dia. É por isso que as quatro estações vêm e vão. É por isso que giramos em torno do sol. É por isso que estabelecemos a contagem do tempo. De outra maneira, apodreceríamos de tédio.
Quando cheguei em casa, fui direto para o meu quarto de tralha. Abri minhas gavetas com recortes de jornais antigos nos quais eu aparecia dançando balé, olhei fotos com amigos que passaram e não voltaram mais, procurei caixas cheias de boletins do primário e não vi as horas passarem em meu relógio. Decidida, resolvi me desfazer de revistas velhas, jogos antigos e caixas quebradas. Mas, cada vez que os pegava para dar uma última olhada antes de descartá-los, um mundo de lembranças se mostrava diante de mim. Ao invés de perdê-los para sempre, retornava-os para o mesmo lugar que já se encontravam havia anos. Ainda não conseguia me ver livre da sensação que me proporcionavam em cada contato.
É, exatamente, nesse quarto que me encontro agora montando essas palavras. O bloco que inundava meus ouvidos com marchinhas e vozes ecoadas já não tocava mais. Mergulhei tão fundo na necessidade da mudança que nem o ouvi parar. Mais um carnaval chegava ao fim, mais uma semana se concluía e, com eles, um novo mundo de possibilidades se abria. Agora, sim, o ano começaria de verdade. Agora, eu conseguiria colocar em prática tudo que havia planejado.
Meu peito enchia-se de esperança. A certeza da concretização embalada pela força da mudança alimentava minha felicidade. Um novo ano, um novo mês, uma nova semana, um novo dia. A partir de agora tudo seria diferente. A partir de agora tudo daria certo. Surgiria em meus passos aquele momento tão esperado, tão estudado, tão desejado. Precisava disso pra seguir. Precisava disso pra viver. E, assim, seguiria... E, assim, viveria...