domingo, 12 de junho de 2011

Os "Nossos Dias dos Namorados"


Foi um orgasmo intenso seguido por uma explosão de relaxamento que despertou meu cérebro para a vontade de escrever. O jejum de longos vinte e cinco dias sem nada teclar – descartando míseros esboços que não me levaram a lugar nenhum – parecia chegar ao fim, depois de eu ser atropelada por uma enxurrada de frases que se aglomeravam em minha mente. Era hora de largar Mateus adormecido e nu, tomar um banho e escrever.
Ao abrir o computador me deparei com a seguinte informação: Domingo, 12 de junho de 2011, 0:23h. Era dia dos namorados e eu havia me esquecido completamente. Não só eu como meu marido parecia ter esquecido também. Por um momento, parei. Precisava tentar entender o que havia acontecido para que nós dois esquecêssemos dessa data. Mas, não tinha uma explicação...
Comecei a achar que os quase dez anos de relacionamento poderiam ter pesado para tamanho descaso. Ou talvez a rotina abarrotada de trabalho, mudanças, trabalho, problemas, trabalho, preocupações, trabalho e cobranças tivesse contribuído para isso. Talvez... Talvez mesmo, pudesse ser o cansaço, fruto de tudo isso que acabei de descrever.
Mas, algo dentro de mim estava tão bem resolvido, tão certo de uma relação saudável, madura, construída através de anos de tentativas e erros, e de uma vontade enorme de dar certo de ambas as partes, que qualquer tipo de preocupação referente a minha vida a dois se esvaíra como um simples pensamento inoportuno e inconveniente. Recordei-me da estória de Rosa...
A jovem moça havia comprado um lindo vestido para aquela noite. Havia se perfumado, se maquiado e se preparava para conhecer o rapaz com quem trocara meia dúzia de e-mails, após se cruzarem num site se relacionamentos. Solteira e pronta para investir num romance, ela passara o dia inteiro ansiosa por aquele encontro.
Romeu, o pretendente, havia avisado que estaria a sua espera no restaurante escolhido para um magnífico jantar a dois. Trajando “calça jeans e camisa social branca”, reservara uma mesa especial para a ocasião.
Parecia mentira que o momento desse encontro se aproximava. Afinal, haviam sido semanas de trocas de e-mails até que chegassem a um consenso. Imóvel diante da porta do restaurante, Rosa chegou a pensar se embarcava ou não naquela aventura. Ainda era tempo de desistir. Mas, não. Abriu a porta e seguiu confiante a procura daquele homem de “calça jeans e camisa social branca” que, certamente, aguardava por ela.
Seu coração parecia não caber dentro de seu peito, suas pernas começavam a tremer e o frio na barriga era inevitável. Lá estava ele:
-       Romeu?
-       Rosa?
Os dois riram...
-       Prazer.
-       Prazer.
-       Legal esse lugar... Não conhecia...
-       Pois é. Achei que você fosse gostar. Sempre quis trazer uma mulher aqui.
Silêncio. Ele seguiu...
-       Você é linda!
-       Obrigada.
-       A mais linda que eu já vi...
“Ele deve falar isso pra todas”, ela pensou.
-       Não pense que falo isso pra todas. Na verdade, jamais falei isso para outra mulher.
-       Você está me deixando sem graça...
-       Por quê? Por que eu estou dizendo a verdade?
-       Porque você está me deixando sem saber o que dizer.
-       Tudo bem... Vamos mudar de assunto então. Que tal você me dizer com o que você trabalha?
-       Não antes de “você” me dizer com o que você trabalha.
-       Sou artista plástico. Tenho um ateliê no Horto e outro em Milão. Costumo passar três meses por aqui, três meses por lá... Além de expor meus trabalhos ao redor do mundo.
-       Hum, interessante... Sempre gostei de homens sensíveis...
-       Sua vez...
-       Bom, eu trabalho na área de relações internacionais de uma empresa canadense que está ampliando seus horizontes aqui no Brasil. Sou chefe de um departamento com aproximadamente vinte funcionários e passo os 365 dias do ano fazendo o trajeto barra da tijuca – centro – barra da tijuca. Um verdadeiro inferno!
-       E o que levou uma mulher tão bem sucedida a procurar por um homem na internet?
-       O mesmo motivo que levou um homem tão bem sucedido a procurar uma mulher na internet.
-       Já sabe o que vai querer comer?
-       Já.
Depois de entradas, pratos principais, sobremesas, um papo interessantíssimo sobre o tamanho das orelhas dos elefantes-africanos e uma soma de quase duas horas de gargalhadas e descobertas de afinidades, eles decidiram pedir a conta – paga por ele, claro! – e partir:
-       Você veio de táxi? – ele perguntou.
-       Aham.
-       Te deixo em casa.
-       Ótimo.
No carro, Rosa não sabia muito o que fazer. Pelo visto, Romeu também não... Os quinze minutos entre o restaurante e a casa da moça foram embalados por um silêncio sepulcral. Silêncio esse que só foi quebrado depois de longos amassos e inúmeros sussurros e gemidos ao ouvido.
-       A gente vai ficar se agarrando aqui na porta da sua casa? Não acha melhor me convidar pra entrar?
-       Não, não posso te colocar aí dentro, nem muito menos transar com você no nosso primeiro encontro?
-       Por que não?
-       Porque se isso acontecer, a chance de você querer ter um relacionamento sério comigo vai ser praticamente nula.
-       E quem disse que em algum momento eu quis ter um relacionamento sério com você?
-       Não?
-       Não.
-       Mas, e todo aquele papo de que eu era linda, de que você me admirava, e blá, blá, blá, não trazia nenhuma perspectiva de futuro pra nossa relação?
-       Mas, que relação?
-       Essa, de agora.
-       Mas, essa, de agora, não é uma relação...
-       Não?
-       Não.
-       Então, significa que tudo isso pode acabar ainda hoje ou que, se continuar, vai ser sem cobranças, sem neuras, sem compromisso? Apenas diversão?
-       Certamente.
-       Era tudo que eu precisava ouvir...
Os dois adentraram o recinto, subiram para o quarto de Rosa, tiraram as roupas e transaram como seres ávidos por um mundo novo a descobrir.
Quando eu disse que algo dentro de mim se mostrava tão bem resolvido que a preocupação por não termos nos lembrado que aquele dia era o “Dia dos Namorados” se esvaíra rapidamente, foi porque todos os dias eram “Nossos Dias dos Namorados”.
Sim, sem nem nos darmos conta da véspera de uma data tão simbólica, naquela noite de 11 de junho de 2011 e em todos os dias e e-mails que antecederam o encontro, eu havia sido Rosa e ele havia sido Romeu.