sábado, 6 de agosto de 2011

Foi dia de Maria...


Comecei a semana com uma vontade enorme de falar sobre o meu encontro com Mateus nessa nossa vidinha por aqui. O amor com que ele me ninou, no último domingo, despertou em mim sensações incríveis e me instigou a contar um pouquinho da nossa história. Acontece que não consegui fazer isso durante a semana toda. O ritmo de trabalho foi intenso e aquela comichão em escrever foi desaparecendo aos pouquinhos.
           Eis que algo novo começou a me perseguir dia e noite. Foi tão forte que qualquer lembrança da minha vida amorosa foi se escondendo pelas coxias. Quem se preparava para me dar um bote e fazer um lindo espetáculo era apenas uma pessoa: o meu pai.
         A saudade de seus abraços e de suas palavras, de tocar piano para ele ouvir a noite toda, de dançar rosto no rosto ao som de Gershwin e Cole Porter e de mostrar minhas composições novas para ele emitir opinião me açoitaram de tal forma que meu pensamento só carregava sua imagem.
Depois que ele faleceu, há quase cinco anos atrás, só o reencontrei três vezes. E, em todas elas, muito rapidamente. Só deu tempo mesmo de dar meia dúzia de abraços e escutar algumas palavras: muitas de amor, poucas sobre notícias... E, foi no auge dessa saudade que me dei conta de uma coisa: era seu aniversário!
Fiquei toda arrepiada ao constatar tal data. Em sua homenagem, ouvi Sinatra o dia todo e coloquei uma orquídea, que acabara de desabrochar, em cima do meu piano. Conversei um pouquinho com ele em meus pensamentos, toquei a música que compus no dia de sua partida e percebi que a vontade de escrever sobre ele havia me deixado por completo. Na verdade, mesmo depois desse tempo todo, ainda não me sinto preparada para tocar nesse assunto. Quem sabe um dia...
Bom, se aquele era o dia do aniversário de meu pai, de acordo com as minhas contas, dali a dois seria a data do outro alguém mais importante da minha vida: seria o dia de Maria! E, a fim de sanar toda essa minha carência paterna, resolvi abençoar a maternidade que me foi enviada dos céus pensando em diversas formas de surpreendê-la em seu dia. Cheguei a uma decisão um tanto óbvia: faria uma festa surpresa! Era isso!      
Na véspera, fui ao supermercado e comprei balões, pratos e talheres descartáveis, refrigerantes, guardanapos, velas, chapeuzinhos de “Parabéns” e um bolo enorme de morango com calda de chocolate... Hum... Seria incrível!
Maria faz aula de hidroginástica e é lá aonde costumam acontecer os pequenos eventos que ela freqüenta ao longo do ano: festinha de dia das mães, páscoa, amigo oculto de natal, etc... Além disso, ela vive falando de mim para suas colegas de turma e sempre joga aquela indireta do tipo: “Um dia, você podia ir lá me buscar, né?! Falo tanto sobre você que elas são doidas para te conhecer...”. Com tantos pontos favoráveis, parecia o lugar perfeito para surpreendê-la naquela manhã.
Acordei bem cedo para organizar as coisas e chegar a tempo na academia. Faltava escrever um cartão, carregar o carro com o que havia passado a noite na geladeira e ir à floricultura para comprar um lindo buquê de cravos vermelhos que eu havia encomendado no dia anterior. Quinze minutos antes da aula começar, liguei para ela com o intuito de saber se ela realmente estaria presente. Resposta positiva! Era hora de seguir para realizar aquela missão: a missão de agradecer, de alguma maneira, por toda dedicação a mim nas últimas três décadas e em tantas outras vidas!
Ao chegar lá, descarreguei as coisas do carro, pedi ajuda ao porteiro e às recepcionistas e avisei a eles que chegara para fazer uma surpresa de aniversário para minha mãe. Todos embarcaram na idéia, colocaram chapeuzinhos e me ajudaram nos preparativos finais. Munidos do todo necessário, fomos em direção à piscina e, ao chegarmos no acesso mais próximo ao local, uma das recepcionistas foi falar com a professora. Explicou o que aconteceria em alguns instantes e voltou animada para me dizer que havia chegado a hora! Estava tudo pronto para a nossa entrada! Juntos, lá fomos nós:
-       Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades...
O coro dos funcionários seguiu firme e forte até a minha manifestação:
-       Parou, parou, parou! Aonde está Maria? – perguntei à professora.
-       Como assim? Está ali, ué!
-       Mas, aquela não é a Maria!
-       É claro que é!
-       Não a “minha” Maria!
-       Que Maria?
-       A Maria dos Santos!
-       Ah, não! Mas, a D.Maria dos Santos não apareceu por aqui hoje não.
“Meu Deus! Aonde ela estaria? O que havia acontecido para ela não ir à aula, mesmo tendo confirmado, minutos antes, que iria?”. Parecia mentira... O nó veio na garganta. Fiquei sem ação... Não sabia se eu podia chorar ali com todos me observando... Não, era melhor não. Eu haveria de me controlar. Notei que me olhavam com pena e compaixão, sabe?! Que situação mais constrangedora...
Sem falar nada, absolutamente nada, dei as costas e parti. A vontade de jogar aquele bolo no chão, de pisar naquelas flores e de arrancar os chapeuzinhos veio de uma maneira tão forte que o máximo que consegui fazer a fim de evitar tamanho ataque de loucura foi partir sem olhar pra trás.
Os funcionários me acompanharam e, num clima de enterro, recarregaram meu carro com todas aquelas porcarias. Àquela altura do campeonato, era tudo uma grande porcaria!
Peguei o telefone e liguei para a casa de Maria. Quando eu já estava quase desligando, depois de esperar por mais de um minuto alguém atender a ligação, a mãe dela, minha avó postiça de 98 anos, deu o ar da graça:
-       Alô?
-       Oi, Lida! É a Flora! Tudo bem?
-       Oi, minha querida! Tudo bem! Olha, a Maria deu uma saidinha. Disse que volta daqui a pouco.
-       Está bom, então. Vou ligar para o celular dela. Beijo.
Mas, como ligar para ela depois do que eu havia acabado de passar. Em minha mente só vinham frases do tipo: “Por que você mentiu?”, “Eu preparei uma linda festa surpresa e você estragou tudo!”. E, depois de cuspir todas essas palavras, eu choraria por não ter conseguido realizar o que queria...
Meu lado racional – que é muito bem treinado por sinal – não deixaria isso acontecer de forma nenhuma. Eu ligaria e falaria normalmente, afinal, o dia não era meu, era dela:
-       Oi, Flora!
-       Oi, Maria! Aonde você está?
-       No mercado.
-       Sei... Mas, você não falou que ia pra aula?
-       É, mas decidi não ir.
-       Entendi...
-       Está tudo bem, Flor? Você está indo pro trabalho?
-       É... Estou... Tá tudo bem sim.
-       Mais tarde você vem me ver, né?!
-       Vou, vou sim.
-       Então, tá! Te espero!
Desliguei sem entender muito o que eu estava sentindo naquele momento. Definitivamente, não conseguia decifrar. A única frase que soprava em meus ouvidos era: “Ainda dá tempo...”.
“Ainda dá tempo? Ainda dá tempo de quê?”. Naquela conjuntura, essa frase só faria um sentido: ainda daria tempo de correr atrás e realizar o que eu havia sonhado. Dentro de outras circunstâncias, claro! Mas, isso não importava mais. Peguei o caminho para a casa de Maria. Entreguei para os céus e decidi não planejar mais nada. Apenas, faria. Acreditei!
Maria mora numa vila muito charmosa, cercada por pessoas extremamente queridas. Grande parte delas acompanhou meu crescimento, afinal, foi lá que passei grande parte da minha vida, descendo de carrinho pela ladeira, tomando banho na mangueira e batendo de porta em porta para pedir doce.
Assim que estacionei, Seu Júlio, um simpático pedreiro nos seus 84 anos, me avistou e se apressou para cumprimentar:
-       Oi, minha querida! Veio fazer uma surpresa pra Maria? Ela espalhou pra rua inteira que você só viria mais tarde...
-      Vim, sim, Seu Júlio. Aliás, o senhor acaba de me dar uma ótima idéia  e, se puder me ajudar, a surpresa tem como ficar completa!
-       É pra já! Do que você precisa?
Algumas crianças da rua me ajudaram levando as coisas até a casa de Maria e com o aval da minha avó Lida, dei carta branca ao Seu Júlio para nos auxiliar nos preparativos. Tínhamos de ser rápidos, pois Maria, certamente, chegaria dentro de instantes.
Foi a partir desse momento que algo mágico aconteceu. Os moradores da vila começaram a chegar e chegar e chegar... Um, dois, três, quatro, cinco, dez, quinze, vinte... “Minha nossa! Aonde isso vai parar?”. E mais cinco, mais três, mais um, mais dois... Gente que eu nunca tinha visto na vida! Quando resolvi contar, já eram mais de trinta pessoas apertadas em alguns poucos metros quadrados. E, não acabou por aí, não! Elas pareciam brotar de todos os lugares... Eram crianças, jovens, adultos, senhores... Todos para dar os parabéns à Maria.
Meu coração saltitava, as lágrimas rolavam... Eu me sentia nas nuvens. O ambiente estava repleto de energias boas, de risadas, de abraços, palavras bonitas... Era como um sonho bom. Muito bom!
Foi nesse instante que Maria chegou! Cheia de sacolas nos braços, suas pernas bambearam de tanta emoção. Foi preciso segurá-la para não cair. Ela mergulhou num pranto profundo... Um pranto realizado! Jamais poderia imaginar que um simples gesto de amor proporcionaria esse esplendor de felicidade.
Ali aonde estava, parada à porta da casa, largou as sacolas e abriu os braços em minha direção. Corri para abraçá-la por longos segundos... Minutos, quiçá... Lembrei de meu pai... Chorei de alegria e de saudade... Ao pé de seu ouvido, ao som da melodia dos “Parabéns pra você!”, “É big, é big, é big...”, perguntei:
-       Afinal, o que você foi fazer de tão importante no mercado que fez até você faltar a aula?
-   Ora, Flor, fui comprar o suco que você gosta de beber, a batata portuguesa que você gosta de comer, as coisinhas pra fazer a sua torta de limão e umas flores para enfeitar a casa quando você chegasse...
Ainda abraçada, continuei:
-       O aniversário é seu, não meu!
-       Mas, o meu maior presente é você, esqueceu?
As palavras que não tenho agora são as mesmas que não tive naquele momento. Mas, também, pra que palavras quando as atitudes falam sozinhas?

            Essa foi a estória do dia que foi de Maria...