sábado, 4 de janeiro de 2014

Epílogo

Troco os dias pela noite. Leio, leio, leio, observo a falta de ruídos, leio mais, me concentro na respiração de Mateus apagado a meu lado e leio ainda mais. Artigos, livros, revistas, jornais, assisto vídeos no silencioso e imagino o som que deles se produz. Só então, quando absolutamente todas as luzes dos apartamentos ao meu redor se apagam, eu me ajeito para dormir. O silêncio do mundo me encanta. É nele que florescem meus mais profundos pensamentos. E eles não param. 
Jamais conseguirei meditar. Comentei dia desses com meu chefe que já havia tentado inúmeras vezes, sempre frustradamente. Ele me consolou: "É assim mesmo. Insista nisso que um dia conseguirá". Eu sei que não.
O sono não vem e a vontade de não me desligar desse mundo aumenta. É como se eu não aceitasse o término de um dia, como se desejasse sua infinitude. Um dia bem vivido é um dia para ser eternizado. Quem me garante que o amanhã será calmo, tranqüilo e feliz como o hoje? Se eu tivesse que escolher entre o agora ou o amanhã, não saberia. 
O amanhã me seduz: sonhos a realizar, projetos concretos ou imaginários, filhos, netos, bisnetos, o natal da minha infância de volta, a casa perfeita para receber os amigos, as viagens ao redor do mundo, o encontro com novas culturas, dezenas, centenas, milhares de livros, de filmes, de música, a casa na praia, os bolos de laranja com cobertura de chocolate, cachorros e gatos e meu amor ao lado. A incerteza! O medo... Medo de não ser assim tão perfeito. Medo de algo dar errado no caminho.  Medo de perder o rumo. Medo de não ter quem mais amo por perto.
O presente me conforta. Não tenho tudo que almejo, mas o suficiente para ser feliz. Por toda a eternidade. "O agora é o ideal. Por favor, não me tire nada. Troco todo o meu futuro por agora", sussurrei. “Se o meu agora não permanecer e nem mesmo evoluir, fadarei viver apenas de um passado. Eu era feliz e, sim, sabia”. Não houve resposta.
 Então, eu não durmo. Então, os batimentos aceleram para somente depois de instantes voltarem ao normal. Pego minha luzinha de leitura e acendo-a novamente. Cubro-a com meus dedos e, aos poucos, vou liberando toda a sua luz para o espaço - assim, de de repente, Mateus poderia acordar. Escolho outro livro e debruço-me em suas páginas. Como num piscar de olhos, o sol surge por debaixo da veneziana. Estória boa tem dessas coisas. Bom dia, é hora de me recolher.