sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Amanhã, eu prometo!


Decidi me obrigar a escrever. Não era possível que há mais de quarto meses eu não tivesse nenhuma inspiração ou nenhum fato que me levasse a teclar. Acho que comecei a me cobrar demais, sabe? Até cheguei a pensar em coisas legais, mas sempre as comparava com outras idéias minhas e nenhuma superava as anteriores. Por isso, desistia do ato e acabava colocando tudo que eu já havia feito até aquele momento num pedestal. Como se fosse impossível repetir o êxito das escritas anteriores. Como se eu tivesse emburrecido... Lia e relia diversas vezes os meus contos... Eu não seria mais capaz daquilo. Se é que um dia fui... Enfim, tomei vergonha na cara e decidi: escreveria, mesmo sem nada para escrever, assim que acordasse, no dia seguinte.
Levantei por volta das dez horas da manhã. Um dia de sol, tranqüilo como os bons de inverno. Passarinhos cantavam, crianças brincavam, minha faxineira trabalhava num silêncio sepulcral. O ambiente não poderia ser mais propício à escrita.
Abri meu computador, entrei no meu e-mail, depois no facebook. Resolvi não ter assuntos pendentes no início do dia. Acabei respondendo coisas do trabalho e algumas mensagens de amigos. Faltavam oito minutos para as onze horas e pensei que poderia tirar esse tempinho para ler as manchetes do jornal. Ih, caramba! Estão acontecendo as Olimpíadas! Ah, como eu gosto dessas competições! A semana foi tão corrida que eu não havia conseguido acompanhar nada. Dei-me o luxo de me inteirar do assunto e quando dei por conta, já eram onze e vinte e quatro. Portadora de “toque” que sou, preferi gastar esses últimos seis minutos que faltavam para as onze e meia para fazer um xixi e beber um copo de água.
Tentei passar despercebida pela Dila no caminho até a cozinha, mas não consegui. Quando ela desata a falar, já era! E ela desatou... Falou sobre como as minhas cachorrinhas estão mal-educadas, contou a briga que teve com a vizinha por causa disso, pediu minha ajuda para completar a lista de compras e ainda falou sobre seus problemas conjugais. Tudo isso para minha tristeza... Já passava de meio-dia e quarenta. Era hora de almoçar!
E, temos que convir que, depois do almoço, não dá para fazer nada, né? Deitei na cama e liguei a TV. A minha ânsia por acompanhar os jogos era tão grande que fiquei assistindo tênis de mesa! Zapeava de um canal para outro: um pouco de ciclismo, um pouco de handball, um pouquinho de atletismo e mais um pouco de natação. A minha sesta merecida e acordada por mim, comigo mesma, durou umas duas horas.
Quando me senti preparada para escrever, sentei na cama e abri meu computador. Opa, chegou aquele e-mail que eu estava esperando. E também um monte de outros do meu trabalho. Não posso abandoná-los e trocá-los pela minha escrita. Responsabilidade em primeiro lugar! Resolvi respondê-los. Eram uns quinze mais ou menos. Como eu posso ser capaz de receber tantos e-mails em tão curto espaço de tempo? É a “perseguição digital”! Que loucura! Dia desses, estava na casa de Maria. Tinha ido buscar minhas filhotas caninas que haviam passado uns dias lá por conta de uma viagem que precisei fazer. Resolvi ficar mais um tempinho aproveitando o carinho de mãe. A minha avó Lida e a Irene, uma vizinha das antigas, também estavam por lá. Cheguei bem na hora da novela. Maldita hora! As três, imóveis que estavam de frente para a TV, imóveis ficaram. Sentei na poltrona ao lado delas e esperei, esperei, esperei... Peguei meu celular e me dei conta de que do caminho do trabalho até a casa de Maria havia recebido dezoito e-mails. Bom, pensei, já que minhas idosas estão tão entretidas em assuntos aleatórios, vou responder esse monte de coisa. Fiquei uns quarenta minutos na atividade. Quando a novela acabou, faltavam apenas uns três e-mails. Maria ficou tentando puxar conversa, Irene também, mas, faltavam tão poucos para eu me ver livre. Esse tal de “toque” é um problema. Não posso deixar nada pendente nas minhas caixas de correio. Aqueles numerozinhos que ficam aparecendo em cima, indicando quantos e-mails ainda não foram lidos, me enlouquecem! Tenho que estar zerada sempre! Impaciente, cinco minutos depois de a novela acabar, Irene disse: “A Flora não é mais a mesma... Vem pra cá pra ficar jogando no celular!”. Jogando no celular??? Vê se pode! A pessoa trabalhando e os outros fazendo falso julgamento.
Fiquei lembrando dessa história e me deu vontade de pesquisar o número médio de e-mails que as pessoas recebem por dia. Cento e cinqüenta e seis. Sendo que desse número, noventa por cento é spam. Ou seja, as pessoas recebem em média dezesseis e-mails por dia. Eu recebo, mais ou menos isso, por hora!
Olhei para o relógio: três e cinqüenta e dois da tarde. Às quatro e nove, Cesar Cielo iria nadar os cinqüenta metros em busca do ouro! Definitivamente, eu não escreveria muita coisa nos dezessete minutos que faltavam para a competição. Fechei o computador e voltei a ligar a TV. O tempo demorou a passar, mas chegou. Meu coração disparava. Parecia que era eu quem ia nadar! Resolvi colocar essa emoção para fora e fiquei dando pulinhos na cama e gritando “Vai, Vai, Vai!”. Vai nada... O cara chegou em terceiro lugar... Não que um terceiro lugar numa Olimpíada seja ruim, mas foi aquém das minhas expectativas. Era hora de tomar um banho depois de tanta agitação...
O relógio marcava quase cinco horas. Era isso! Às cinco em ponto eu começaria a escrever. Esvaziei a mesa lotada de papéis velhos e inúteis e... Que barulho era esse? Eu não podia acreditar que as minhas duas cachorras seriam capazes de um escândalo como esse! Corri até a sala e constatei que sim, elas latiam compulsivamente para o rapaz da Pet Shop. Dei um baita esporro nelas, coloquei ordem na casa e fiz o maior sermão depois que o cara foi embora. Dila me olhava tensa e eu falava: “Você tem que me ajudar a educar elas! Não pode simplesmente não fazer nada enquanto elas latem de maneira descontrolada! Por isso, é que elas estão sem limites!”. As três me olhavam assustadas, caladas! Passava das cinco horas e agora eu teria que esperar até às cinco e meia.
Voltei para o quarto pra cumprir minha missão. Abri o computador e ele não ligou... Putz, bateria... Pluguei-o na fonte e fiquei esperando ele dar sinal de vida... Demorou um pouquinho até ele acender a luzinha. Tempo suficiente para eu me preparar.
Bateu uma preguiça... Peguei meu livro de cabeceira. Resolvi ler algumas páginas até a hora programada para eu começar a escrever. O problema foi que eu não consegui largar aquela leitura. Faltavam poucas páginas para seu fim e o autor fazia revelações drásticas e surpreendentes. Decidi que seis horas era uma hora boa e cabalística para começar a escrever. Até lá, leria mais um pouquinho...
Quando faltavam poucos minutos, fechei – contra a minha vontade – o meu livro e abri o computador. Me forcei a não olhar meus e-mails e venci – contra a minha vontade – o fato do número onze aparecer na minha caixa de entrada e eu não poder fazer nada para resolver isso. Entrei somente no facebook. E, nossa! Uma amiga minha tinha postado um vídeo incrível sobre um senhor com Alzheimer que foi salvo pela música. Me emocionei à beça... Viajei pensando nas coisas que as pessoas que cuidavam dele relataram... Fiquei tão inspirada por isso e numa energia tão boa que baixei um arquivo com várias músicas de Tchaikovsky. Achei que combinavam perfeitamente com aquele momento.
Mas, foquei – foco, Flora! – e lembrei que tinha um objetivo no dia: escrever. Mas, já passava das seis horas e o computador ainda não estava completamente carregado. Oitenta e quatro por cento de bateria... Achei melhor esperar os cem por cento para começar com chave de ouro!
Enquanto isso, fui responder meus e-mails. Aí, fiz umas ligações de trabalho, aí, Mateus me ligou, aí, Maria me ligou também, aí, eu lembrei que era dia de vencimento de umas contas, aí, eu decidi pagá-las e depois organizá-las em minha pasta, aí, me deu vontade de arrumar na mesa da sala o conjunto de velas que trouxemos de Tiradentes, aí, me bateu uma fome enorme e eu fui lanchar uma coisinha bem rápida e bem calórica por sinal. Aí, Mateus ligou de novo dizendo que estava chegando e que tinha marcado um jantar daqui a trinta minutos com o João e a Malu, aí, eu me dei conta que já eram oito e vinte da noite e que eu tinha que tomar banho para me arrumar. Mas, aí, eu me dei mais conta ainda de que não havia estudado francês por uma hora, como havia prometido ontem; de que não havia nadado os mil e quinhentos metros como havia prometido ontem; de que não havia começado a minha dieta, nem ligado para marcar a dermatologista, nem ido tomar a minha vacina contra tétano como havia prometido ontem. E pra ficar mais frustrada ainda, me dei conta de que não havia escrito nada como prometera ontem, pois isso que vocês acabaram de ler é puro fruto da imaginação de vocês; pois isso que vocês acabaram de ler eu não seria capaz de escrever; pois isso que vocês acabaram de ler não quer dizer nada... Mas, amanhã, eu prometo: faço tudo isso e ainda levo as meninas para passear!

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