O tema “Mãe” pode parecer um pouco piegas e extremamente batido, mas resolvi escrever mesmo assim. As razões que me levaram a tal atitude são tantas que um simples post não poderia explicá-las. Por um momento, achei melhor desistir. Não conseguiria transmitir o necessário sem expor todas as circunstâncias. Depois, cheguei à conclusão de que, certamente, todas essas circunstâncias não acrescentariam em nada. Ser mãe é universal.
Entre lágrimas, sorrisos, amor e obsessão, a figura materna sempre me intrigou e me fez divagar sobre seu verdadeiro papel. Que ser seria esse que resolve nos gerir? Que empresta seu corpo para a criação de uma nova vida. É difícil acreditar que sejamos o resultado da junção de um espermatozóide, que liberado abruptamente numa relação sexual, encontra um óvulo, tranqüilo e indefeso, e invade seu espaço a fim de se tornar “eu”. E, não satisfeito, se multiplica velozmente formando braços, pernas, olhos, nariz, cérebro, cabelo, tudo mais e um coração que vai bater por tempo indeterminado.
O mais curioso é que aquele ser que empresta seu corpo para tal manifestação da natureza não consegue exercer controle sobre nada que ocorre entre a região que vai do seu mais alto fio de cabelo até o seu mais baixo dedão do pé. Ele é entregue a uma transformação divina, a uma engrenagem involuntária e, após, alguns meses a mais, uns quilos a mais e umas estrias a mais, é obrigado a expulsar aquele indivíduo fresquinho de seu corpo para que ele possa ser entregue a toda essa loucura terrena.
Pois bem: é nessa hora que tudo que era involuntariamente involuntário torna-se necessariamente voluntário. A partir de agora, essa pessoinha, com futuro RG e CPF, precisa da sua mamãe canguru para sobreviver, para crescer, para evoluir e se tornar um bom cidadão. Para aprender a respirar e sugar o leite que sai daquele corpo, para conseguir engatinhar, andar e enxergar o mundo que resplandece a sua volta. Para falar o seu idioma e estabelecer a comunicação com seus semelhantes. Para entender o que é alegria e o que é tristeza. Para se sentir seguro e confiante em situações de risco e fazer escolhas certas em momentos de indecisão. Acima de tudo, esse pequeno grande ser precisa de alguém que o instrua a viver. Que estabeleça um laço eterno de confiança e desprendimento. Isso é ser mãe.
Ainda mais nobre do que ser mãe, é não ser a mãe e sê-la. É criar alguém que não saiu de seu corpo e amá-lo como se o tivesse fabricado. É assumir para si as responsabilidades por hora imaginadas à outra pessoa, mas recebidas por aquela como seu maior presente. Comigo foi exatamente assim...
Há uns dias atrás, durante meu sono, fui até um lugar conhecido como “Espaço do Entendimento”. Que eu me lembre, foi a primeira vez que fui levada até lá. A pequena cidade era formada por diversos prédios que, ligados entre si por enormes plataformas, costuravam a arquitetura flutuante do lugar. A cor predominante era bege, que misturada com outros tons pastéis, davam um ar menos sóbrio àquele cenário.
Por um momento, fiquei receosa. Estou acostumada a freqüentar lugares mais alegres e sem tantas formas. Luca, um amigo celeste, me acompanhava:
- Flora, você tanto pediu que conseguiu.
- Consegui o quê? Não lembro de ter estado aqui antes...
- Pois é. Também nunca estive. Mas, tem alguém te esperando numa dessas salas.
- Quem?
- Laura.
- Quem é Laura?
- Não sei. Vamos descobrir...
Senti meu coração disparar. Quem seria essa pessoa me esperando? Laura, Laura... Não conheço ninguém com esse nome. Nada mais me restava a não ser seguir o meu amigo até o tal encontro.
- Bloco 7. Sala 27. Aonde será isso? Vamos perguntar.
Se ele não sabia, imagina eu! Só podia ser brincadeira... O Luca perguntou para umas cinco pessoas como se fazia para chegar àquela sala. Andamos muito, nos perdemos... As placas eram um tanto confusas e ficavam nos levando sempre para um hall bem grande cheio de escadas:
- Não é possível! A gente está andando em círculos. Vamos embora, Luca!
- Não, Flor! Calma! A gente vai encontrar.
Foi nesse instante que uma voz surgiu lá de cima:
- Flora?!
“Ai, meu Deus! Não faz isso comigo que eu tenho um treco!”. Desconfiada, sem avistá-la, respondi:
- Sim. Sou eu.
- Suba, minha querida. Te espero há muito.
- É... desculpa... A gente estava um pouco perdido e...
- Te espero há anos.
Olhei para Luca e tive vontade de acordar. Minha cama estava tão confortável lá embaixo e isso aqui parecia um tanto assustador.
- Vai, Flora. Vou ficar te esperando lá na entrada.
Sussurrando, falei:
- Tem certeza que eu tenho que ir sozinha?! Você não acha que seria legal conhecer a Laura?
- Para com isso! Coragem! Vai ser bom pra você.
Encarei a escada, respirei fundo e subi.
No trajeto até a Laura, imagens iam surgindo pelas paredes. A cada passo que eu dava, um pedaço importante da minha vida se formava. Podia ouvir as vozes, a música... Sentir o cheiro, a sensação do tato... Uma emoção muito forte tomou conta de mim: era uma felicidade jamais experimentada antes. A minha vida se formava em planos e seqüências dignas de um Oscar. Eu, como protagonista, merecia um prêmio. Em alguns momentos, minha vontade era parar e entrar por aquela parede, viver tudo aquilo novamente. Em outros, apressava o passo, não queria nem ver...
- Venha, minha querida – A voz de Laura aparecia em primeiro plano.
Dei mais uns cinco passos e cheguei até aquela mulher que, sentada sob algo que não consigo descrever, me aguardava com um sorriso angelical. O ambiente estava repleto de uma energia boníssima. De aonde viria tamanha sensação? Olhava para ela, mas, não enxergava nada que justificasse aquilo, nenhuma luz, nenhum raio de nada... Por um momento, só queria descobrir o que era aquilo que estava me fazendo tão bem:
- É a conexão dos seus sentimentos com os meus.
“Puxa! Ela tinha lido meus pensamentos”.
- É nossa sintonia que estabelece essa ambiência. Chegue mais perto. Me dê um abraço.
Fui até ela e retribui o carinho. Meus olhos se encheram de água e não pude conter a emoção. Havia sido tanta novidade junta que eu me desestabilizara por completo.
- Quem é você? O que está acontecendo?
Ela emendou:
- O que você pediu há alguns dias atrás?
- O que eu pedi há alguns dias atrás?
- Você pediu uma explicação, não lembra?
- Não.
- Vamos lá: feche os olhos, busque na memória.
Obedeci, mas nada acontecia...
- Você estava indo trabalhar, mas, antes de sair de casa, fez uma oração.
- Eu sempre faço isso.
- Sim. Mas, nesse dia, você fez uma pergunta.
- Hum... Deixa eu pensar... Sobre o trabalho, não... Sobre meu casamento, também não... Sobre a...
- Maternidade.
Desatei a chorar. O quebra-cabeça começava a fazer sentido, as imagens na escada, as coisas que se sucederam nos últimos meses... “Meu Deus! Que loucura!”
- Você consegue lembrar exatamente qual foi a sua pergunta?
- Sim.
- Então, repita pra mim, por favor.
- O que é ser mãe?
- E você já conseguiu descobrir?
- Não sei se conseguirei sem antes ter um filho.
- Flora, escuta uma coisa: você já é mãe, já foi mãe e ainda será mãe. As cenas que foram mostradas a você na sua vinda até essa sala têm algo em comum, não têm?
- Sim.
- Diga pra mim o que é que elas têm em comum.
- Todas têm Maria.
- Perfeito. Além de Maria, o que mais elas têm?
- Em comum?
- Sim, em comum.
- Não sei. Foram tantas imagens. Acho que estou um pouco confusa...
- Volte atrás em seus pensamentos e fale em voz alta as situações que lembrares.
- Está bem. Vou começar: a vez em que quase morri, com dez dias de vida e Maria me salvou; a minha primeira aula de balé; o primeiro dia na escola; as pequenas cirurgias que fiz; os conflitos entre meus pais no lar; as brincadeiras no parquinho, as férias em Teresópolis com Chico e Serena; os deveres de casa; as apresentações de dança; as crises de minha mãe; a morte de meu pai; as noites em que dormia abraçada a Maria e as estórias que me contava para dormir; o vestibular e o primeiro emprego; os preparativos para meu casamento...
- É o suficiente. Pode parar de falar. Você não consegue identificar mais nada, além de Maria, em todos esses momentos?
- Acho que não.
- Minha querida, você não está percebendo o mais importante.
- Desculpe, Laura, mas não estou entendendo.
- O que têm em comum em todos esses momentos e o que fez você conseguir evoluir com eles é justamente o que responde à sua pergunta: amor.
- A resposta à minha pergunta é “amor”?
- Quase isso. Não exatamente desta maneira, mas quase isso.
- Então, eu já sabia. Pra ser mãe é preciso amar. Sendo assim, “ser mãe é amar”.
- E a pessoa que mais te amou foi por acaso sua mãe?
Não consegui responder. O nó se estabeleceu novamente em minha garganta e eu travei.
- Responda, Flora. A pessoa que esteve ao seu lado em todos os momentos mais importantes dessa sua vida foi a sua mãe?
- Não.
- Quem foi então?
- Foi Maria.
- Então, Flora: “Amar é ser mãe”.
Ela se virou e ameaçou partir. “Não. Ela não podia me deixar ali sem ao menos me dizer quem era”.
- Diga-me, ao menos, quem és!
Ela parou aonde estava, de costas. Hesitou por um momento que pareceu uma eternidade. Tornou a virar-se e me encarou nos olhos:
- Sou a filha que amarás um dia.
Não soube reagir a essas palavras. Não estava preparada para ouvi-las quiçá para compreendê-las. A minha perplexidade foi tão grande que, paralisada, assisti a sua partida.
Depois disso, não vi mais ninguém. Nem sei se voltei a encontrar o Luca ou se fui para mais algum lugar. Só sei que acordei leve e feliz, no dia seguinte, carregada por uma enxurrada de beijos de Mateus.
Antes de qualquer coisa, peguei meu telefone e liguei para Maria. Ela atendeu:
- Alô!
E, eu emendei:
- Eu também te amo, mãe!
Sem muito entender o que aquela frase significava pra mim, ela completou:
- E eu, mais ainda, minha filha.
Disso, eu tinha certeza.
Lindo, lindo, lindo!!! K. Cristina
ResponderExcluirMinha linda...Não tenho nem palavras. Nesse momento o silêncio fala mais alto e o coração aperta.
ResponderExcluirSer mãe é mais do que amar querida, pois amor não se mede tamanho ou forma. Existem várias maneiras de amar até mesmo as mais condenáveis e incompreensíveis. Mas se esse amor é incondicional e vem acompanhado de entrega, de partilha,de cumplicidade, de parceria e do mais absoluto compromisso e lealdade com o outro ser... isso sim é ser mãe.
E ser tia também, hahaha, pois te amo muito!
Linda crônica e que venha logo a Laura!!! Aliás esse nome para mim soa como sinfonia, pois Laura foi (e ainda é)a minha Maria.
Lindo demais!
ResponderExcluirHoje, antes de ler este post, já havia ligado para a minha Maria só pra dizer o quanto a amo... Agora tomada por essa emoção já não aguento de vontade de ligar de novo!
Beijos,
Fofura
Uau! Que conteúdo maravilhoso! Fiquei emocionada. E precisamos conversar sobre esse tal Espaço de Entendimento. Uau de novo.
ResponderExcluirMil beijos
Madrinha de Ouro Velho
Patiii!! que lindo esse texto... foi dificil até conter as lagrimas. Que coisa mais linda esse sentimento!
ResponderExcluirbeijos
Só hoje consegui ler o texto. Muito emocionada e certa de que o amor é origem de tudo. Vou continuar amando, sempre, até quem não quer ser amado. Amor é doação. Sei que em breve verei vcs com a menina nos braços e aí então, o amor vai transbordar nos corações d tanta felicidade. Quero compartilhar junto esse momento míagico e indiscritível. Bjs amos vcs RÔ
ResponderExcluirSó lembro de vc indo às suas aulas de danã, caminhando... Graças a Deus ele colocou uma segunda mãe em sua vida, amiga, pois têm pessoas que não tem nem umazinha...
ResponderExcluirEntendo vc perfeitamente!
Mil bjs com amor! AMEI O TXT!!!!!