sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A noite do despertar


 Embora meu aniversário tenha sido na semana passada, pareço permanecer no meu inferno astral. Os últimos meses têm sido conflituosos e surpreendentes e isso tem me tirado de meu centro seguro.
          Fico tentando achar os motivos para isso estar acontecendo, mas acabo percebendo que os minutos que gasto em divagações a respeito são totalmente inúteis; as respostas, simplesmente, não vêm... E, sendo assim, acabo me conformando com meu estado latente, monótono e chato.
         Parei de sorrir e de achar tanta graça nas coisas. Será que sou eu a causadora dessa mudança ou será que efetivamente o mundo se tornou entediante? Não fosse pelo fato de eu ter parado de me lembrar de minhas aventuras durante o sono, eu optaria pela segunda opção, mas, essa ausência responde perfeitamente à minha pergunta: a responsável sou eu.
       Bom, ter consciência disso seria um grande passo se eu habilmente conseguisse usá-lo a meu favor, mas, usar qualquer coisa a meu favor tem se mostrado impossível ultimamente. Tenho me agredido com pensamentos inoportunos, com ataques de histeria, com má-criação e impaciência com meus amores e com a diminuição da percepção do mundo à minha volta.
       Por diversas vezes, sentei para escrever, mas não passei do terceiro parágrafo, peguei meu livro de cabeceira, mas parei na segunda página, coloquei um filme para assistir, mas adormeci nos primeiros minutos.
Viver se torna muito complicado quando a gente não está a fim. As mesmas coisas se apresentam para nós de formas muito distintas e incrivelmente estranhas.
Nessas horas, a gente sempre acha que o problema é causado pelos outros: é o olho grande dos outros, a inveja dos outros, os maus pensamentos dos outros... Afinal de contas, a nossa vida é sempre a melhor, a mais bem quista, a que todos almejam ter; o nosso marido é o melhor do mundo, nós somos os mais bem sucedidos, mais bonitos, mais inteligentes, mais brilhantes! Quem não trocaria tudo para estar no nosso lugar?
Pois são esses pensamentos equivocados que fazem com que nos achemos muito importantes e tiram a responsabilidade de nossos fracassos de nós mesmos. Pensar que o mundo conspira contra você e que os outros provocam a sua infelicidade são chaves para o fracasso. Mas, apenas perceber isso não é suficiente para que a mudança aconteça. É necessário que algo penetre seu coração, que te tire desse cantinho confortável e inoperante e te jogue de volta à vida! E, isso, pode estar aonde você menos espera...
Eram quase três da manhã quando fui dar uma última olhada no meu feed de notícias do facebook. De cada dez posts, nove se referiam à morte de Steve Jobs. E, desses nove, cinco traziam consigo um discurso feito por ele para uma turma de formandos de uma universidade. Gastar quatorze minutos assistindo um vídeo não me pareceu uma boa idéia a cinco horas do meu despertador tocar. Mesmo assim, cliquei. Confesso que ouvir aquelas palavras, no mesmo dia da morte daquele homem, me estremeceram consideravelmente. Resolvi guardar muitas daquelas frases e repeti-las ao longo da vida, como um mantra. Ele me fez bem.
Desci mais um pouquinho o mouse e me deparei com um vídeo entitulado “X-Factor Australia - Emmanuel Kelly”. Acima, no próprio post, vinha a seguinte frase: “E tem gente que reclama da vida o tempo todo!”. Foi praticamente impossível resistir...
“X-Factor” é um programa caça-talentos, assim como “Britain's Got Talent” e “American Idol”. E Emmanuel Kelly é um rapaz (com um dos sorrisos mais lindos que já vi) que lá estava, na frente dos jurados, para sua primeira audição como cantor.
Antes de sua performance, o programa mostrou um pouco da história dele, que nasceu no Iraque e foi abandonado pelos pais, junto com seu irmão, num orfanato. Além de ambos serem deficientes físicos, não sabem nem ao certo quando nasceram e de onde vieram. Foram adotados por uma mulher australiana, ainda pequenos, que os criou com todo o amor e dedicação. O maior sonho de Emmanuel é se tornar um cantor profissional e, para isso, ele treina e estuda, incessantemente, todos os dias de sua vida. Chegava o momento de sua primeira apresentação e a música escolhida para a performance havia sido “Imagine”.
À essa altura do campeonato, o choro já estava preso na garganta. Tentei segurá-lo por mais um tempo a fim de não transparecer para Mateus, que vidrado na tela do computador, provavelmente, fazia o mesmo. Mas, bastaram as primeiras notas soadas por Emmanuel para o pranto vir absoluto. Meu peito, há meses fechado, abriu-se para o mundo; minha mente, um tanto obscura, clareou-se de possibilidades. Os caminhos se abriam novamente.
Pedi licença ao Mateus e tranquei-me no banheiro para chorar em paz. As lágrimas caíam numa velocidade alucinante e levavam com elas toda a tristeza interior, lavavam a minha alma. Minutos depois, as palavras começaram a vir e meus dedos, ligeiros, insistiram em teclar. Eu voltara a escrever. Já nem me preocupava com o fato de ter que acordar dali à poucas horas para trabalhar. Um baú de histórias, de idéias e sentimentos abriu-se à minha frente e a frase de uma das juradas, dita ao final da apresentação daquele rapaz, conduziu meu pensamento: “Isso nos faz pensar que tudo com que nos preocupamos é patético”.
E é mesmo! Percebi o quanto tenho sido despreocupada com as pessoas à minha volta,  o quanto tenho preferido a ascensão profissional em prol da saúde familiar, o quanto tenho sido egoísta em minhas ações, o quanto não tenho dado valor aos pequenos gestos de amor cotidianos e, por aí, vai...
Adormeci e o que eu imaginava aconteceu: consegui me conectar ao meu mundo de sonhos. Antes desses meses adormecidos no tempo, frequentei lugares bastante interessantes e, nessa noite, voltei a um dos mais especiais: a famosa “Hermana Cultural”.
Esse complexo contém áreas ligadas a todos os tipos de artes, desde a dança até a pintura, passando pela música, pela fotografia, pela literatura e tantas outras. Conectadas por modernas rotas circulares, é possível percorrer todas numa noite só. A quantidade de pessoas caminhando, estudando, trabalhando, criando e produzindo é tão grande que fica fácil acreditar porque a segunda maior região celestial é a das artes, só perdendo para a região da “Saúde e Caridade”. 
Desde o meu retorno aos céus, após minha um tanto fracassada vida passada, morei nos bairros do “Hermana”. O povo desse antro é muito alegre. É o meu povo. Sabe quando você chega num lugar e se sente bem sem nem saber porquê? Pois é, o “Hermana” é assim pra mim. É a minha casa.
           E, nada como retornar ao solo amado depois de um tempo adormecida na esfera terrena. O Luca e a Adélia me esperavam ansiosos. O Luca vocês já conhecem, mas é a primeira vez que falo da Adélia, uma amiga muito especial:
-       Querida Dé, quanto tempo! Que saudades desse sorriso!
-       Ai, Flor, estou tão feliz com a sua volta que fiz questão de vir te encontrar.
Luca, junto a ela, correu para me abraçar:
-       Parabéns!
-       Você não acha que está um pouco atrasado, não?!
-       Não estou dando os parabéns pelo seu aniversário e sim pela sua volta!
-       Ué, mas eu não estava vindo, porque você não me buscou mais...
Adélia interferiu:
-       Flora, querida, não fomos nós que esquecemos de você. Foi você que se fechou para a gente. Até tentamos te alertar do perigo, mas não teve jeito. Você acabou desviando seu foco e nós não conseguimos evitar o ataque.
-       Ataque? – perguntei, assustada.
-       Isso mesmo, um ataque – Luca acrescentou – Um grupo de maus elementos aproveitou essa brecha da sua atenção e sintonizou com a energia negativa que você havia canalizado. Começaram a fazer parte da sua rotina, a influenciar suas atitudes cotidianas, a atrapalhar sua relação com Mateus e a te colocar pra baixo.
-       Meu Deus! Como foi que eu não percebi isso?
-       Você é um forte alvo desse tipo de pessoas – disse Adélia – Eles costumam ficar esperando um vacilo como esse para se aproveitarem da situação. A sorte é que, além de você ter consciência do bem e do mal, você tem o Mateus.
-       Mas, por que vocês estão falando isso?
Adélia continuou:
-       Porque ele percebeu que você estava alterada e começou a combater todo esse mal enviando pensamentos de amor para você, diariamente. E, o que faltava, que era a sua percepção dessa alteração negativa e a conseqüente mudança para o bem, acabou sendo estimulada pelas histórias de amor e superação que você assistiu.
-        Elas abriram sua mente e seu coração – Luca finalizou.
Emocionada, quis logo voltar para minha cama e acordar meu marido com muitos beijos e abraços, mas eles ainda não tinham terminado:
-       Bom, mas vamos deixar isso para trás, porque, agora, finalmente, a gente vai poder te dar seu presente de aniversário. Pode contar, Luca.
Ansiosa, comecei a tremer na base...
-       Flor, lembra aquele pedido que você havia feito há algum tempo ao pessoal das gratificações.
-       Ah, não! Não me diga que eles concederam?
-       Parabéns! Você é a mais nova integrante da caravana pela paz!
Pulei, chorei, abracei os dois, gritei de felicidade! Eles também! Fazer parte dessa caravana é um sonho muito antigo, muito mesmo. O Mateus, assim como a Adélia e o Luca, já fazem parte do grupo há anos, mas eu não havia sido aceita na época, pois alegavam que eu deveria me concentrar apenas nos estudos e em questões familiares complicadas. Já estava até achando que isso não aconteceria mais, pois têm amigos meus que tentam há décadas e não conseguem entrar.
          O grupo sai todas as noites em busca de pessoas que estejam precisando de ajuda, orientando e influenciando a recuperação de muitos. Participar desse trabalho, além de ser muito gratificante, é o que há de melhor para o crescimento próprio. Afinal, é em face da infelicidade dos outros que conseguimos enxergar a nossa felicidade e é em contato com os problemas alheios que podemos resolver os nossos.
No meio do abraço, Adélia explicou:
-       A força com que você lutou contra o que estava lhe afligindo foi tão grande que provou que você está mais do que preparada para fazer parte da caravana.
-       E não acabou! – falou Luca – Você vai fazer parte do grupo do Mateus! 
-       Sério?!
-       Seríssimo! O pessoal disse que ter um casal com o amor que vocês têm, trabalhando juntos para bem, é a melhor coisa que pode existir para o trabalho ser bem sucedido!
-       E, por que vocês me trouxeram para o “Hermana”?
Adélia respondeu:
-       Porque a gente sabe que essa é a sua casa e, nada como estar em casa para receber uma notícia dessas!
-       Aonde está o Mateus agora? Ele está trabalhando? Eu posso acordá-lo para contar a novidade? – perguntei.
-       Vai lá e acorda ele com muitos beijos – falou Luca – A caravana voltará a atuar daqui a dois dias. Estaremos te esperando!
-       Parabéns, linda Flor!
Desci louca para encontrar meu marido e contar a novidade. Mal podia acreditar no que estava acontecendo!
-       Mateus, acorda, Mateus!
     Aos poucos, ele foi abrindo os olhos...
-       Oi, amor... Calma... O que foi?
-       Eu entrei na caravana! E no seu grupo! Eu consegui! Eu consegui!
Bem sonolento, ele abriu um sorriso enorme e disse:
-       Preparada para acordar cansada todos os dias?
-       Preparadíssima!
-       Então, seja bem vinda, meu anjo!
Adormecemos abraçados e cheios de felicidade, traçando planos para as próximas noites repletas de trabalho...
Acordei leve e renovada. A vida sorria. As pessoas pareciam mais bonitas. A inspiração vinha. As coisas pequenas se mostraram pequenas como são. As grandes estimularam minha sensibilidade. Afinal de contas, sou sensível e é, justamente, essa sensibilidade que me fortalece. O que me resta dizer a você é: “Seja também! Sonhe também!”.

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