quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Dia da Realização


Nos últimos dias, têm surgido em minha mente, idéias para vários textos: primeiro, veio a vontade de falar sobre a felicidade, depois de contar a minha infância. Ontem, a inspiração para escrever sobre o meu pai me acometeu por diversos momentos e só não a executei, pois meu cansaço era tamanho, que meus olhos não conseguiam enquadrar mais nada depois de um exaustivo dia de trabalho.
Mas, hoje, que pensava chegar ao hotel e descrever pelo menos uma dessas minhas aflições literárias, fui tomada por um desejo enorme de retratar o meu dia: “O dia da frustração”. Juro que tentei usar minhas palavras para falar de algo mais interessante, mas estou, nesse momento, tomada por tantas divagações que não vejo outra alternativa senão dividi-las com vocês.
Acredito na energia. Esquisito essa frase, né?! Acredito na energia... Coisa de doido... Pois é, sinto lhes dizer que sou doida mesmo. Espero que tamanha decepção não os faça fechar essa tela e desistir de acompanhar meu raciocínio. Ao contrário, permitam-se desvendá-lo através das próximas linhas.
Bom, estava falando de “energia”. Na verdade, estava dizendo que acredito “na” energia, o que é bem diferente de dizer que acredito “em” energia. A segunda opção, é bem óbvia na sua semântica, visto que, sem qualquer sombra de dúvida, ela existe e é estudada nas suas mais diversas formas. A primeira é um tanto polêmica. Sim, porque, dizer que eu acredito “na” energia é personificá-la na sua forma de existência. Mas, é exatamente assim que a vejo. Explico: na minha pobre imaginação, a Energia é como um Anjo da Guarda, cada um tem o seu – eu acredito nisso, quem não acreditar, sinta-se à vontade para discordar – e, ela varia de personalidade e temperamento de acordo com o seu acompanhante. Se você é uma pessoa rancorosa, triste e infeliz, sua energia também será, pois ela funciona como um espelho ou uma irmã gêmea de seu interlocutor.
Acontece que uma característica interessantíssima acomete nossa querida Energia: ela tem o dom de partilhar com o resto do mundo tudo que vive guardado em seu fiel companheiro. A Energia é composta por um elo que pode se multiplicar quantas vezes for necessário para se juntar com todas as suas irmãs, desde que elas, claro, abram suas portas para essa conexão. Essa conexão, não necessariamente ocorre duplamente. Às vezes, a via é de mão dupla, mas em muitas outras não. Além disso, elas também têm a capacidade de espalhar o que está armazenado nelas pelo ambiente, tornando-o resultado das pessoas que o freqüentam. Mas, por que toda essa divagação em torno desse tema? Muito simples. Porque hoje, a minha Energia quase enlouqueceu... 
Cheguei ao barracão de uma escola de samba, a qual prefiro não identificar, para mais um dia de gravações. O ambiente era degradante e seu cheiro era composto por uma mistura de tinta, cola e maconha. Por todo lado, víamos os trabalhadores fumando, gritando e xingando-se uns aos outros.
Saí do carro, respirei fundo e falei internamente com a minha Energia: “Ok, calma. Eu sei que a barra está pesada pra você, mas agüenta firme. São só algumas horas e logo estaremos em nosso quarto de hotel, descansando e curtindo o ambiente limpo e saudável em que vivemos”. Ela ficou bem chateada, mas não teve escapatória. Tínhamos que enfrentar isso juntas, dando sempre nosso melhor.
A equipe me aguardava e ao chegar para cumprimentá-los e saudá-los com um abraço de bom dia, pude perceber que algumas Energias já estavam um tanto fracas e perdidas. Era claro, que muitas já haviam estabelecido conexão com outras nem um pouco favoráveis.  Era tarde demais para tentar reverter o quadro. As Energias do local tinham se unido e atacado as dos meus amigos. Eles haviam aberto a guarda... Tive a certeza que estávamos perdidos...
O dia transcorreu pessimamente. Coisas simples, que fazemos normalmente, como um belo enquadramento ou um firme movimento da câmera no trilho pareciam impossíveis. Tudo que olhávamos era feio, nada tinha solução para nós. Estávamos entregues a um ambiente nocivo e pernicioso.
Os integrantes do barracão nos tratavam com desprezo e falta de educação. Eram grossos, rudes e não conseguiram exibir sequer um sorriso em nenhum momento do dia. Estávamos lá para filmar a escola deles e exibi-la linda em nosso documentário. A nossa intenção era de embelezar o seu carnaval e mostrar o esforço do conjunto em prol de um lindo espetáculo. Mas, as Energias deles estavam tão viciadas num ambiente de negatividade que qualquer tentativa de demonstração contrária a isso não era bem-vinda. Eles simplesmente não conseguiam enxergar que éramos pessoas do bem, querendo fazer nosso trabalho e valorizar o deles. A sensação que tínhamos era de que eles estavam fazendo um enorme favor em nos receber lá e que nós não merecíamos isso.
Mas, o grande problema disso tudo, foi constatar que as nossas Energias não conseguiam fechar a porta para a deles. Elas entraram com toda a força, deixando-nos consternados, irritados e paralisados. Ninguém se comunicava, mas, ao mesmo tempo, ninguém conseguia perceber o que acontecia ao nosso redor. Por mais que tentássemos, não conseguíamos deixar os takes bonitos. O diretor de fotografia demorava “horas” para iluminar o quadro, o camera man não conseguia achar um bom plano, o áudio dava interferência, e, a mim, faltavam idéias e inspirações. A minha única diferença para eles era simples: eu sabia o que estava acontecendo...
O segundo passo foi lidar com a frustração. Foi ela que invadiu nossos pensamentos desde o primeiro momento. Como encarar um trabalho mal feito? Como aceitar que não conseguimos fazer algo tão legal quanto o feito, anteriormente, nas outras escolas? Olhar para o monitor e não aprovar a imagem que você está dirigindo é algo extremamente frustrante. Mas, fazer televisão é isso: lidar com a frustração de ter que fazer do jeito que der pra fazer. Há diversas coisas envolvidas sempre: dinheiro, tempo, pessoas... Somos peças de uma máquina que não pode parar de funcionar e, para que isso aconteça, temos que abdicar de muitas vontades.
A hora da despedida foi silenciosa. Observava meus companheiros de trabalho guardando seus equipamentos num desânimo contagioso. Tudo estava pesado. Até o ar era mais difícil de respirar... Parecíamos, todos, velhinhos de 90 anos ao fim de uma maratona – emocional, no caso... Dei adeus, na certeza de que aquele dia ficaria guardado em nossa memória para sempre.
Assim que entrei no carro, meu telefone tocou. Era meu marido que, obviamente, notou uma estranheza em minha voz. Contei-lhe um pouco sobre meu dia, mas ele nem titubeou ao descrever o ocorrido. Com palavras encorajadoras, disse:
-       Você não deveria se sentir frustrada.
-       Como não?! Queria ter feito algo muito melhor do que fiz. Estou chateada. Frustrada é a palavra certa. – contrariei.
-       Amor, você tem que sentir orgulho de você mesma. Parabéns. Apesar de todas as adversidades, você fez. E, televisão é isso: fazer um dia após o outro.
Em fração de segundos, tudo mudou. As palavras de incentivo dele me fizeram enxergar algo que havia ficado mascarado dentro de mim. Era isso: a frustração é apenas um lado da moeda; o outro é a realização. A realização do trabalho. E eu havia realizado. Apesar das adversidades, eu havia alcançado o objetivo. A missão era: “fazer da melhor maneira possível, mas, sempre, fazer”. E isso, eu certamente havia feito.
Escolhi passar o resto do dia com a moeda virada para o lado bom: o lado da realização. Já era noite quando, no meio do engarrafamento, a caminho do hotel, resolvi ligar o rádio. A música que tocava me entoou pelas últimas horas desse dia tão intrigante. Seu refrão, na voz dos Beatles, dizia exatamente a única frase que pairava sobre meus pensamentos naquele momento: “It’s been a hard day’s night...”.

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