O nascimento desse post foi motivado pelo laço mais sublime da humanidade: a amizade. Na verdade, ele nasceu pela imposição daquela voz que, volta e meia, cisma em aparecer. Ela foi tão categórica ao me mandar cancelar meus compromissos do dia e ir para casa escrever, que só restava obedecer.
No caminho até minha cama, aonde agora me encontro sentada em frente ao computador, algumas músicas e imagens se apresentaram para mim, dentre elas: “Chocolate” na voz de Marisa Monte, “Human Nature” por Michael Jackson, a praia com sua água cristalina e um menino de 2 anos que ao passar pelo portão da minha casa que se abria para minha entrada, parou para tentar descobrir que universo era aquele que rondava ali dentro... O universo da dúvida, pensei. Não que fosse esse o emblema da minha rotina, mas naquele momento era: “Por que raio essa voz quer tanto que eu vá para casa escrever? Não há nada em minha mente, nada interessante o suficiente para ser dito”.
Entrei em meu lar com o pensamento longe. Falei com a moça que trabalha na minha casa sobre alguma coisa que já não me lembro... Putz, deve ter sido sobre o dinheiro da passagem... Melhor eu procurá-la. Mas, agora não! Agora é hora de escrever! O fato é que ao subir as escadas, antes de encontrá-la, uma foto surgiu triunfante, pairando pelo ar, até o encontro com meus cabelos, meu nariz, meu joelho e, finalmente, o chão:
- Encontrei essa foto junto com suas orquídeas. – falou Dila.
- Encontrou essa foto junto com as minhas orquídeas? (pausa para refletir porque a gente sempre repete a fala das pessoas colocando um ponto de interrogação no final. Pura perda de tempo....)
- Sim. Encontrei essa foto junto com as suas orquídeas!
Para se compreender melhor o espanto por tamanho acontecimento, explico que minhas fotos são uma de minhas grandes paixões e, sendo assim, tenho por elas tanto zelo que jamais uma delas poderia se encontrar perdida entre minhas orquídeas. Essa categoria de “perdida” não poderia se enquadrar ao objeto “foto”.
Atirada no chão da escada, depois de ter saltado das mãos daquela moça e ter vindo ao meu encontro, peguei-a com todo carinho e admirei-a. Dila, sem notar a mudança que se reluzia em minha feição, continuou a me indagar sobre assuntos diversos. A partir daí, não lembro de mais nada que falei com ela. Mas, nesse momento, isso já não mais me importa. Chegou a hora de falar de Serena:
Se alguém pudesse adentrar minha alma e invadir meu coração, certamente iria encontrá-la lá, quietinha bem no cantinho, por vezes rindo, por outras chorando escondido.
Irmãs de coração, crescemos e vivemos juntas cada momento importante de nossas vidas. Filhas de irmãs gêmeas, fomos praticamente criadas por Maria, nossa mãe de coração. Formávamos, assim, o trio da forma de amor escolhida. Serena nasceu três meses e dois dias depois de mim (fato que relatava a todos com o maior orgulho) e fazia questão de deixar claro o quanto éramos parecidas. E éramos mesmo!
O mais interessante é que, além dessa afinidade indiscutível, os fatos mais marcantes de nossas vidas, não foram os mesmos, mas foram similares. Para começar a entender o que se mostrava em nossos caminhos, é necessário dar um pulo lá atrás: em janeiro de 1992.
Como de costume, as nossas férias eram passadas na roça. Parte da família de Maria, que veio de Portugal, se instalou numas terras férteis de Teresópolis e lá cultivavam verduras e legumes das mais diversas qualidades. Lembro-me, como se fosse hoje, do quanto corríamos por aquelas plantações. A terra fofa lotada de adubo escorria pelos dedos do pé a cada passada. A água que jorrava das mangueiras nos atingia ferozmente, refrescando nosso corpo suado. Apostávamos corrida na estrada marcada por sapos esmagados por caminhões. Nadávamos nas cachoeiras e colecionávamos girinos nos baldes. Fazíamos da encosta um delicioso escorrega e andávamos em pé na traseira dos caminhões. Éramos as crianças mais felizes do universo!
À noite, antes de dormir, eu pegava um livro cujo titulo era: “A vida na fazenda” e lia suas páginas com histórias sobre os bois, os carneiros e o leite morno extraído da vaca, até ter certeza de que Serena havia adormecido. Fazíamos planos de viver na roça. Compraríamos terras, caminhões e seríamos grandes empreendedoras no ramo. O mês de janeiro passava voando, mas nesse em especial, nossos corações, pela primeira vez, se apaixonaram por outros dois corações infantis.
João e Vicente eram eles. Irmãos com 10 e 11 anos, respectivamente, andavam para cima e para baixo conosco. Serena e João, Flora e Vicente. As duplas estavam formadas. Andávamos de mãos dadas pelos pastos e plantações, fazendo planos de nossas vidas a dois, ou melhor, a quatro. Discutíamos se Mercedez era um tipo de carro ou de caminhão, enquanto amarrávamos coentro e salsinha para despachar na encomenda para o Rio.
O fim das férias era como um romper de sonhos. Havíamos planejado tanto, amado com tanta certeza de que construiríamos tudo aquilo e, de repente, nada. Tudo se esvairava em nossa frente. Era a primeira vez que a decepção nos acometia. Era a primeira vez que sofríamos juntas a perda do grande amor. Era a primeira vez, dentre tantas, que éramos cúmplices do sofrimento alheio.
A vida na cidade sempre seguia frenética. Estudávamos na mesma escola, mas jamais poderíamos ser da mesma classe. Nossa avó era a dona do colégio e, juntar suas netas numa mesma sala de aula, significava ter pais e mães reclamando em seus ouvidos o direito de seus filhos também estudarem conosco. Tudo havia de ser separado entre nós.
O início de ano era um sofrimento. Chorávamos o fato de sermos separadas por exatas quatro horas e dez minutos, diariamente. Os vinte minutos do recreio, passávamos grudadas. Às vezes, com nossos outros primos que também estudavam lá. Principalmente com Chico, nosso mais amado, o qual considerávamos irmão também, e o qual passava todos os fins de semana ao nosso lado. Como adorávamos esse menino! Tanto que não conseguíamos parar de implicar um com outro. Corríamos para a varanda da cozinha da nossa avó, que era voltada para o pátio do recreio e ficávamos lá, olhando os outros alunos, achando-nos extremamente mais importantes que eles e amando os olhares invejosos de todos. Crianças...
Serena e eu saíamos da escola e íamos para a minha casa. Maria nos arrumava para o balé, para o inglês e para a natação. Fazia nossa comida, brincava conosco, auxiliava no dever de casa.
A vida foi passando rapidamente... Nossos sonhos se realizando... Nossa ligação amadurecendo. Meu pai faleceu há quatro anos atrás, após longo sofrimento. Como um artefato do destino, o dela também se foi, exatos três meses e dois dias depois do meu. Fomos pedidas em casamento na mesma noite. Eu já casei. Ela casará em breve. As coincidências são tantas, que ao olhar a vida de uma, percebe-se a vida da outra.
Nossa união é algo tão forte e inexplicável que falar dela traz lágrimas aos meus olhos. Pensar nela me dá paz. A paz que eu sempre procurei. A paz ideal...
Em minha memória, surgiu uma brincadeira de criança que ficou marcada para sempre:
O sol começava a se pôr depois de um dia animado na roça. Terminávamos de colher ramos de salsa, quando num atento olhar dela para mim, percebeu um cílio que havia caído de meus olhos. Sem perder tempo, o capturou. Com ele, adormecido no seu indicador, falou:
- Segura no meu dedo e faz um pedido.
- Tá. Mas, dessa vez tem que falar o pedido junto, em voz alta – impus.
- Hum... Ta bom. – ela titubeou – Quando eu falar já, a gente grita junto o nosso desejo!
Silêncio. Por dez segundos, o nosso mundo parou...
- Já! – ela gritou.
E, inesperadamente juntas, falamos:
- Que a gente seja feliz para sempre!
Começamos a rir muito, estranhando tamanha coincidência. Nos abraçamos por curtos segundos e, logo corremos para apanhar as verduras que faltavam ser colocadas no caminhão.
A foto que se encontra em minhas mãos foi tirada nessa tarde de “janeiro de 1992”. Nela, estamos de mãos dadas, bem apertadas, como estivemos sempre em todos os anos de nossas vidas e como estaremos por toda a eternidade. João e Vicente estão ao fundo, rindo espontâneos; observando nossa ligação.
A voz se acalmou. Tudo havia dado certo: eu a havia obedecido e seu recado havia chegado magnífico em minhas mãos. Ou melhor, havia caído dos céus. Dessa forma, a conexão se estabelecia, as palavras ganhavam vida, as memórias entoavam cânticos de amor.
Nesse momento, meu telefone tocou. Em seu visor, as letras que corriam certificavam o caminho certo: “Serena”.
Parei de escrever. Era hora de ouvi-la. Era hora de amá-la. Era hora de ser feliz para sempre!
Mesmo para quem conhece bem essa estória, ela será sempre linda e emocionante! Parabéns por saber vivê-la e contá-la com tanta felicidade!
ResponderExcluirObrigada por dar a nós, leitores , o privilégio de compartilhar com você momentos tão emocionantes. Mais emocionantes ainda pra nós que conseguimos identificar os protagonistas...Fico feliz que você seja essa pessoa capaz de viver-perceber-criar-compartilhar!
ResponderExcluirPaty!!!!!!!!! Acabei de me dar conta que é vc!!! hahaha Tenho acompanhado seu blog desde que conheci pelo Blog da Carol! Estou adorando!! Parabéns, é uma delícia! Bjos
ResponderExcluirMuito obrigada pelas palavras de carinho e incentivo. Esse post é realmente muito especial para mim!
ResponderExcluirFlora querida, Só agora consegui ler essa crônica pois nao sabia onde encontra-la .Esta linda e posso te garantir que Serena te ama e te admira muito. Só para esclarecer: - A mãe da Serena nunca impôs nenhuma regra para que estudassem na mesma sala, isso era resolvido pela supervisão da escola, o que a deixava muito triste, pois depois da escola vocês passavam o resto do dia juntas e quantas vezes as noites também pois nunca ela teve confiança em deixar Serena.em casa com a baba dela dai por ela sair muito a noite so deixava Serena aos cuidados da Maria. Ok? Ps.: Posso garantir que a mãe da Serena te ama muito também e reconhece o quanto Maria e você acrescentaram na infância dela ajudando também no seu amadurecimento.
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