quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tormento


Tum, tum… Tum, tum… Tum, tum… Tum, tum... 92 batimentos por minuto. Era esse o ritmo em que meu coração seguia no momento em que resolvi abrir o computador e escrever este post. O fato é que ele batia tão forte, que, mesmo em face do temeroso cansaço, me rendi aos meus pensamentos e aflições e tratei de me levantar. E a maneira que escolhi para fazer isso foi acendendo a luz do meu quarto de hotel e desistindo de tentar tirar aquele cochilo forçado. Até porque, são oito da noite e oito da noite não é hora de tirar cochilo nenhum.
Devo estar ficando maluca... Aliás, tem momentos em que a insanidade passa bem pertinho de mim, mas, quando eu digo “bem pertinho” talvez esteja dizendo que ela passa por dentro de mim.
Lembrei de um amigo que tem uma espécie de distúrbio no coração – alô, especialistas no assunto, me perdoem a ignorância! – e que, por causa disso, vive a base de medicamentos para se manter estável psicologicamente no seu dia-a-dia. Descobri isso, há pouco tempo, quando estávamos sonorizando, como de costume, um programa de TV. De repente, ele se manifestou aos berros:
-       Puta merda! Meu coração não pára de bater!
-       Hum? Como assim? - falei sem entender “bulhufas” do tal comentário.
-       Ah, essa merda me atormenta a vida toda! Porra! Não agüento mais!
Ok. Muita calma nessa hora! Certa de que ele devia estar sob efeito de alguma substância tóxica, achei melhor manter-me em silêncio.  Era mais seguro para mim e para ele.
Foi nesse instante que ele deslizou pela parede da ilha de sonorização e caiu em prantos. Corri até ele e, sem saber muito o que fazer, tentei acalmá-lo. Aos poucos, ele foi me contando que o maior problema da sua vida se devia ao fato de ele sentir seu coração pulsar a todo instante, desde o dia em que nasceu e, que isso o atrapalhava de tal maneira que já havia pensado em se matar diversas vezes. Confesso que nesse momento falei internamente: “Não tenta agora não, vai?!”. Fiquei um pouco chocada com todo o drama dele e tentei consolá-lo da melhor maneira que pude. Dá pra acreditar numa história dessas?
Bom, desse dia em diante, não passei mais nenhum sem pensar nisso. Sentir seu próprio coração bater, sem tocar em seu peito? Fiquei quieta por uns instantes e pude perceber que também sentia o meu, mas, muito de leve. Era praticamente imperceptível, bem diferente do caso dele. Você que está lendo isso agora, pode parar um pouco e experimentar essa sensação. Nem esquenta, todo mundo faz isso nessa parte do texto... Permita-se!
No meu dia-a-dia, comecei a prestar atenção em situações similares e pude constatar que, muito de vez em quando, isso acontecia em meu organismo: sentir meu coração pulsar! Endosso a aflição do rapaz no quesito incômodo. Isso é, de certa forma, atormentador quando excessivo e constante. Pois, foi num momento desses que me encontrava há minutos atrás, quando resolvi pular da cama e fazer outra coisa. No caso, escrever pra ver se meu coração “parava de bater”.
É tanta maluquice nesse mundo, tanta coisa esquisita que acontece... A maioria das vezes, não percebemos que pessoas tão próximas podem apresentar problemas tão invisíveis para nós. Foi quando hoje, outra pessoa próxima se manifestou... Eis a estória:
Seguindo na minha saga de trabalhos em Sampa, fui para o aeroporto a fim de embarcar para lá, acompanhada de um grande amigo. Ele é uma pessoa adorável, mas, hoje, em especial, estava bem esquisito... Falava alto e cumprimentava todos a sua volta.
No caminho até o balcão do check in, passamos por um grupo de mais ou menos umas trinta pessoas, que recebiam instruções de um guia do aeroporto. Ele gritou bem alto: “Prestem bastante atenção na aula, hein?!”. O professor, estupefato, parou de falar e todos olharam para o homem que tinha acabado de cometer o ato insano de interromper o meio de uma explicação sem a menor explicação. Nesse momento, tive certeza que meu dia ao lado dele seria conturbado.
Chegamos no check in e ele começou a falar com a atendente de uma forma super íntima, como se já a conhecesse há muito tempo. Elogiou os olhos azuis da moça, a maneira como se portava e respondia às suas questões, entre outros comentários insignificantes – insignificantes para mim, é óbvio, não para ela, que de bonita só tinha os olhos, o resto era assustador. Ela começou a se achar a mulher mais incrível do planeta, sua auto-estima foi nas alturas! No fim do procedimento, de tão eufórica com aquele homem que não parava de elogiá-la e de fazer perguntas indiscretas a seu respeito, concedeu uma certa regalia no tal cartão de fidelidade que ele tinha. Educado, agradeceu dizendo: “Você é muito boazinha!”. Ela, não satisfeita, retribuiu: “Boazinha não! Eu sou boooooooooooa!”. Com o “o” assim mesmo, bem looooooongo... Juro que senti a famosa “vergonha alheia”! Que situação... E ele?! Ele não estava nem aí... “Estava é adoraaaaaando...”.
Saímos de lá e fomos andando para a sala de embarque. No caminho, passamos, de novo, por aquele grupo, que ainda permanecia lá, no mesmo local, atento às explicações do professor. Fiquei tensa! Ele então, “pelas costas do instrutor”, começou a fazer sinais para o grupo, do tipo: “Ele não sabe nada! É tudo mentira! Hahaha! Seu bando de babacas!”. Todos começaram a rir e a aula foi interrompida novamente. Continuei subindo a escada rolante com a minha cara de “juro que não conheço esse maluco!”.
Isso para não falar de situações como a foto com as meninas do balcão da lanchonete – que, pasmem, eu tive que tirar e ele, depois, ficou mostrando pra todo mundo, todo orgulhoso!
Quase perdendo o vôo, depois de tanta enrolação pelo aeroporto, finalmente, entramos no avião. Ufa! Agora ele vai acalmar, né?! Resposta incorreta. Ele piorou! Posicionado no assento do corredor, se meteu até no assunto do jornal que o senhor do banco da frente lia, dando palpites na escalação do Volta Redonda, acredita?! Depois, pegou seu iPad e começou a brincar, em alto e bom som, com um joguinho que tinha uns bichinhos esquisitos que faziam barulhos mais esquisitos ainda – o pior foi quando ele teve a idéia de interpretar as caretas e os grunhidos que os tais seres faziam. Patético! Nessa altura do campeonato, não tinha como eu fingir que não o conhecia...
Como se não bastasse tamanha manifestação eufórica, resolveu ficar, insistentemente, narrando o tal vídeo do you tube da lusitana “Anabela de Malhadas” (Se vocês ainda não conhecem essa pérola, assistam! É realmente engraçado. Muito mesmo!). Ele falava, bem alto: “Anabela, não é dois, não é três, não é quatro, nem é quatro e meio! É mais de quatro quilos e meio. (tempo) Resposta de Anabela: Três quilos e vinte! Hahaha!!!” Por um momento, me arrependi de ter sido eu a pessoa que mostrou esse vídeo a ele, mas, confesso que dei boas risadas com suas imitações. Só gostaria de deixar claro que as risadas eram porque o vídeo era engraçado. Não ele...
Logo depois do avião decolar, começou a puxar papo com todas as aeromoças, até conhecer e se apaixonar por Lígia!
Ligia era realmente linda! Até eu me apaixonei por ela! Sensual, inteligente e muito bem humorada, Ligia era um furacão. A moça, com seu nome e seu encanto pra lá de Nelson Rodriguiano, percebeu que meu amigo estava louco por ela e resolveu dar trela. Esse foi o problema. Ele, após perceber o nítido “mole” que recebia, tratou de falar mais alto, chamando por sua amada insistentemente e apertando o botãozinho para solicitar algo, o tempo todo. Em uma das vezes que ela se aproximou (era fato que ela era bem safadinha e estava adorando a brincadeira), ele mostrou  seu número de telefone, escrito em letras bem grandes, que iam deslizando pela tela do iPad: “Coloquei em cor de rosa, para combinar com seu esmalte”, disse. Hum, foi aí que ela se desmanchou de tesão por ele.
As pessoas ficavam olhando para aquela situação sem entender nada. Quem devia ser aquele doido? Mas, o que mais deviam pensar era, quem devia ser a coitada daquela menina que o estava acompanhando? Pois é, quem devia ser?! Resposta: eu!
Na hora do lanchinho, Ligia chegou bem pertinho dele, jogando todo o seu charme: “Aceita, senhor?”. Ele mal olhou para o sanduíche que ela segurava e, respondendo com uma voz de “cachorrão”, jogou no ar: “O sanduíche não...”. Ela insistiu, mais firme: “Aceita, senhor?!”. Ele mais instigador: “O sanduíche não...”. Ela, como obrigando-o a pegar o alimento de suas mãos, repetiu, pela última vez: “Aceita, senhor!”. Percebendo que deveria cumprir a ordem da moça, pegou o sanduíche. No guardanapo que o acompanhava, vinha escrito o telefone dela. Minha nossa! Que situação! Só então, meu amigo se tocou que havia passado dos limites! Como vocês percebem, há muito tempo!
A azaração persistiu até o pouso. Inacreditavelmente, a moça sentou-se no assento do outro lado do corredor do meu amigo, a fim de aproveitar os últimos instantes ao lado dele até o momento que o avião encostou suas rodas no chão. Ela, então, levantou-se, cheia de risinhos e correu até a parte traseira. No auto-falante da aeronave, ouviu-se a sua voz: “Senhores passageiros, sejam bem vindos à Manaus!”. Manaus? Como assim? Devíamos ter pousado em São Paulo. Nós pousamos, mas, Ligia, definitivamente, não... Tratamos de sair correndo do avião, para evitar maiores constrangimentos (seria possível que eles ainda fossem maiores? Ok, não precisa responder...).
No caminho até o carro, ele me olhou e disse: “Acho que não estou muito bem hoje não...”. Respondi: “Você acha?”. Ele assentiu. Bom, era a primeira demonstração de uma possível melhora.
O resto do dia foi, relativamente, mais calmo. Conversamos e ele se abriu dizendo que além da enorme tensão profissional que parecia o assombrar, estava entrando em depressão por causa de problemas conjugais. Ativei o meu lado de psiquiatra – que, pelo vasto know-how familiar, é super treinado pra lidar com malucos – e, aos poucos, o comportamento do meu amigo foi voltando ao normal.
O fato é que cheguei ao hotel bem desnorteada. Essa história toda mexeu demais com o meu emocional. É triste e, um tanto assustador, ver um grande amigo seu se descontrolar dessa forma. Era impossível achar suas atitudes engraçadas. As pessoas riam, como riem de qualquer desgraça. O ser humano adora ver as tragédias pelo lado positivo. É mais fácil. Eu estava achando tudo patético, triste demais. Ele não havia se drogado nem nada (talvez tivesse esquecido de tomar seu remedinho azul, sei lá...), mas acabou externando dessa forma absurda toda a tristeza e o cansaço emocional ao qual estava sendo submetido.
Tomei um banho e deitei na cama. Liguei a televisão, mas, meus pensamentos estavam longe demais. Resolvi começar a ler o livro do Alain de Botton que trouxe para essa viagem, cujo titulo é: “Uma semana no aeroporto”. Putz, não... Estava “bem” de passagens por aeroportos por hoje. Apaguei a luz e resolvi tirar um cochilo para ver se conseguia retornar ao meu estado normal, tranqüilo, sereno, e acordar como se tivesse tido um sonho um tanto esquisito e incomum. Afinal, nos sonhos tudo é possível...
Mas, minha cabeça não parou... Não havia jeito de acalmá-la. Tudo voltava aos meus pensamentos como num enorme flashback. Foi aí que meu coração disparou: “Tum, tum... Tum, tum... Tum, tum... Tum, tum... 92 batimentos por minuto. Era esse o ritmo em que meu coração seguia no momento que resolvi abrir o computador e escrever este post...

3 comentários:

  1. Que estória maravilhosa! Tem tudo que precisa ter pra ser considerada assim... maluquice, belos diálogos, safadeza, humor, drama, cumplicidade. Mas ela não seria maravilhosa se não tivesse sido percebida e contada dessa forma tão sensível e habilidosa! Parabéns pelos seus olhos e pelos seus dedos!!!

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  2. Incrível...... Boa estória, bem escrita, bem contada... 10!!! Beijos com amor :-)

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  3. Estou mrrendo de rir sentada em frente do pc sem consegui parar de ler e reler! Que tormento!!! ahahahahah... confeso que me achei um pouco em vc sentindo o coracao batendo forte. However, nesse momento Australia estou 100% com seu amigo! atormentada, agitada, insana com surtos de lucides repentinos! acho que vou comecar a escrever...
    parabens amiga! ;)

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