quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Amigos


Definitivamente, não foi aquela voz que me fez levantar hoje da cama, às sete da manhã, como num impulso enlouquecido para escrever. Fui eu mesmo. Meus olhos se abriram tão decididos a não se fechar mais que provocaram em mim uma sensação jamais experimentada antes: a da necessidade de escrever.
           Quem me conhece sabe bem o quanto é sacrificante para mim começar o dia antes das onze da manhã. Sou notívaga. Muito mesmo. Se pudesse estabelecer um horário certo para estar acordada diariamente, ele seria de onze da manhã às três da manhã do dia seguinte. Dormiria de três às onze e tudo seria muito mais fácil para mim. Já que, na rotina capitalista, nem sempre posso dormir ou acordar quando meus olhos mandam, essa já seria uma boa alternativa.
O fato é que, estranhamente, saltei da cama quatro horas antes do combinado. E o mais interessante: tinha um objetivo claro a cumprir. Em passos silenciosos, peguei o computador, admirei o meu amor a dormir e fui para o quarto de trás escrever.
Vocês devem estar curiosos para entender o que me provocou tamanha comichão literária. Pois bem: foi a incrível marca de cinco amigos, seis horas e quarenta e oito minutos de análise – não minha, deles –, três telefonemas, um encontro casual, um encontro marcado, uma mensagem do Facebook, dois torpedos, uma Neosaldina, dois alfajores argentinos e quatro horas a menos de sono. Coragem? Vamos lá!
O dia de ontem começou com o telefonema de Maria. Como sempre, temos o hábito de nos falarmos pela hora do almoço. A conversa não costuma passar de cinco minutos, mas, dessa vez, durou oitenta e dois. Ela chorou, desabafou, chorou de novo, desabafou, chorou mais ainda e, por aí, foi... Dividida entre a vontade de levar uma vida normal e o enclausuramento no lar, tem tido momentos de grande depressão. Conversamos bastante e ela pareceu desligar o telefone mais decidida a encarar a missão que a está sendo confiada: cuidar de sua mãe de 97 anos na fase final de sua vida terrena. Saldo: a sensação de que o dia seria longo para meus ouvidos...
O segundo encontro foi uma surpresa. Escondida entre as araras de uma loja que eu não entro nunca – na verdade, que eu nunca havia entrado – estava uma grande amiga a qual não tinha notícias há quatro meses. O nosso último encontro, para um breve café que durou mais ou menos umas cinco horas, foi em outubro de 2010 e, desde então, nossas agendas não haviam mais se encontrado. 
Entre dois vestidos em meus braços e um sapato em suas mãos, as palavras correram soltas – dela, não minhas. Fui atualizada, com direito a longas risadas e alguns momentos de dúvida, de todo o tormento profissional que vem a afligindo.  Meus ouvidos e o de todas as vendedoras da loja agradeceram tamanha extroversão. Ela é realmente muito divertida! Falei o que achava – pouco, quando ela deixava –, ajudei-a a perceber o caminho de sua profissão de atriz por outros aspectos e percebi que ela saiu decidida a provocar  uma favorável revolução em sua vida. Saldo: 47 minutos de consulta + 32 minutos de atraso para o próximo compromisso + dois vestidos que estavam na promoção – R$248,00 na conta bancária + uma amiga feliz e confiante na mudança positiva.
Ao sair da loja, meu telefone se manifestou. Peguei-o em minha bolsa e sua tela iluminada continha uma linda declaração de amor de uma bela amiga que nos visitou no fim de semana. Dizia assim:
“Tão bom, mas, tããããão bom estar com vcs... Não pode demorar tanto assim pra encontrar de novo!!! Amo muuuuuito esses dois!!! Beijocas e ótima semana!!!”
Abri um sorriso de orelha a orelha. Pra confessar, acho que até uma pequena gargalhada saltou lívida de minha garganta. Respirei feliz e toquei o meu dia.
Uma hora depois, no trânsito caótico em direção ao trabalho, meu telefone cantou de novo. Era uma outra amiga muito querida que ligava, prá lá da ponte Rio-Niterói, ávida por contar as novidades que vinham ocorrendo em sua vida de casada. Ela falou, falou, falou, falou mais e mais um pouquinho. Tinha diversas dúvidas quanto a que decisão tomar em certas situações, quanto a aceitar ou não uma mudança brusca que batia à sua porta, dentre outras indagações. Entre os meus “aham”, “também acho”, “é, pode ser”, “com certeza” e similares expressões, ela foi chegando a todas as conclusões que precisava. Satisfeita e encorajada, resolveu desligar o telefone após 97 minutos de ligação. Saldo: um telefone sem bateria, duas orelhas quentes e cansadas, 46 minutos de atraso para começar a trabalhar, um editor enfurecido me esperando e outra amiga extremamente feliz e confiante!
Nos 5% finais de bateria do meu telefone, entrei no Facebook para me inteirar dos comentários dos meus amigos ao longo do dia. Já era tarde na ilha de edição quando me deparei com a seguinte publicação em meu mural:
“Tô com saudade de vc!!!”
Esse recadinho alimentou a minha noite faminta por um belo lanche e cansada de um editor chato que insistia em não parar de falar. A importância desse gesto era simples: ele foi mandado por uma de minhas melhores amigas que, há quatro meses, abandonou tudo por aqui – depois de centenas de encontros e ligações telefônicas acerca do assunto – e resolveu trabalhar em Nova Iorque. Foi como senti-la aqui, bem pertinho, me ligando ou me abraçando e falando isso ao meu ouvido. Tomada por imensa felicidade, levantei de minha cadeira giratória, me dirigi até a porta da ilha, e, sem nem me despedir do cara que insistia em não parar de falar, tracei uma reta e fui embora.
Antes de passar na catraca em direção ao estacionamento, uma preocupação súbita me tocou. Um grande amigo parecia estar em apuros sentimentais nas redondezas, a poucos metros de mim. Com apenas 3% de carga restante em meu iPhone, procurei o seu nome e o toquei. Foram apenas duas chamadas até que eu ouvisse a sua voz:
-                     Oi... – O tom era extremamente chocho. O pressentimento parecia certeiro.
-                     Oi! Tudo bem? Que voz é essa? Aconteceu alguma coisa?
-                     Aconteceu.
A afirmativa foi clara o bastante para eu entender que ele precisava urgentemente de ajuda:
-                     Está por aqui? – perguntei, já me preparando para uma mudança nos meus planos.
-                     Aham.
-                     Ok. Estou indo praí.
Dei meia volta e fui em direção a ele. Foram exatas duas horas e sete minutos de conversa ininterrupta. Sentados de frente um para o outro, ouvi-o falar. Os problemas eram tantos e se confundiam de tal maneira que eu não encontrava frases para confortá-lo. Ele, sozinho, com a ajuda apenas do meu firme olhar, foi chegando às suas próprias conclusões. A única coisa que pude falar, inspirada em versos de Chico Buarque, segundos antes de nos levantarmos e irmos embora, foi: “ Amanhã vai ser outro dia”. Era o máximo que conseguia soltar depois de tanta frustração.
Ao nos despedirmos com um abraço bem apertado, falei: “Você é uma pessoa linda! Tem uma luz enorme! Tudo vai dar certo, acredite!”. Parecia um discurso ensaiado, mas foi exatamente o que tive vontade de falar ao sentir seu coração próximo do meu. Saldo: uma ansiedade enorme em vê-lo bem e uma pontinha de dor de cabeça que avançava a passos largos.
Entrei em meu carro e fui para casa. Já era tarde da noite e meu marido me esperava. Eis que meu outro telefone celular toca. Era minha mãe. Dessa vez, a que me colocou no mundo. Aí, foram mais cinqüenta e sete minutos de análise. Durante essa consulta, deu tempo de chegar em casa, dar um abraço no marido, tirar minha calça jeans e colocar um shortinho mais confortável, ouvir meu marido diversas vezes falando “Pô, Mô, desliga logo!”, subir e descer as escadas umas oito vezes – não consigo ficar parada enquanto falo ao telefone - e assistir o mesmo companheiro preparando um jantarzinho para mim enquanto minhas duas cachorras pulavam frenéticas com sua bolinha implorando por um pingo de atenção.
Foi depois de uma crise de choro que ela pediu para desligar. Em outras circunstâncias eu até impediria tal ato até que percebesse que ela se sentisse melhor. Mas, depois de cinco consultas ao longo do dia, uma dor de cabeça infernal e três seres implorando por atenção, achei melhor concordar com ela e encerrar a ligação.
Após acalmar os ânimos do lar, resolvi tomar uma Neosaldina. Foi nesse momento, que deitando para assistir um pouco de TV, me deparei com uma caixa de alfajores argentinos presenteados por uma amiga que acabara de passar uns dias em Buenos Aires. Não resisti e como num ataque de gula, devorei dois. Resolvi não ficar com peso na consciência por ter estragado a minha dieta. Eu, definitivamente, merecia!
Realizada e satisfeita pelo dia cumprido com louvor, fui invadida por uma felicidade sedimentada em bases de amor. Fechei os olhos e adormeci “como um anjo”, nas palavras de Mateus. Acordei, seis horas depois, com uma fileira de amigos passando por minha cabeça: amigos do “jardim de infância”, amigos da “escola”, amigos “primos”, amiga “irmã”, amigo “namorado”, amigos do “trabalho”, amigos “família”, amigas “mães”, amigo “pai”, amigos “família do marido”, amigos “famílias dos amigos”, amigos do “teatro”, amigos do “balé”, amigos da “casualidade”, amigos “achados”, amigos “animais” e por aí em diante. Todos iam passando como num grande desfile de carnaval. Me olhavam felizes e eu retribuía essa felicidade.
A forma que encontrei para externar tamanha realização foi abrindo meu piano e tocando uma música que compus para meu pai, alguns dias antes dele partir. Sua letra é tão pura que se encaixa perfeitamente em qualquer amizade verdadeira. A parte que ele decorou e cantou para mim segundos antes de ir embora, diz o seguinte:
“Eu quero sentir seu abraço, ouvir sua voz sempre
Esqueço das coisas da vida,
Do que não me agrada quando eu estou com você,
Pois pra mim não há sol sem te ter...”
           Entoada por essa simples melodia, meu coração se encheu de esperança e alegria, e a vontade de escrever se aflorou, mais uma vez, na certeza de que ter amigos é o que abastece meu dia-a-dia...

8 comentários:

  1. Ainda bem que não te liguei esse dia...rs
    Que bom que te ajudei de alguma forma nesse dia desgastante porém produtivo. Adorei os textos...

    ResponderExcluir
  2. Querida.... que delícia de ler! Cresci no meio de duas cronistas de primeiríssima: Elsie Lessa e Anna Maria Nadruz (sua ghost writter) e posso afirmar vc é das boas! Aliás, em que vc não é???

    ResponderExcluir
  3. Li, seus alfajores foram providenciais!
    Prima, mais uma vez, obrigada pelo carinho!

    ResponderExcluir
  4. Nem percebi que a ligação tinha sido tão longa! Falar com você é sempre muito bom! Da próxima vez prometo deixar você falar um pouquinho também! Rsrs... Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Não sei o que seria da minha vida sem a minha amiga do jazz... Amiga-irmã... Te amo! Re

    ResponderExcluir
  6. nao vejo a hora de uma consulta! Vc e realmente um anjo, "desde sempre" amiga e uma excelente escritora!
    te amo!
    Charol

    ResponderExcluir
  7. E, pena que o tempo e implacável e passa muito depressa, mas e muito bom saber que mesmo passando o tempo, vcs continuam tão amigas e confidentes como antes.
    Beijos,
    DORA

    ResponderExcluir
  8. Nao me lembro de ter lido essa crônica, pois apesar de ter postado um comentario, acho que nao foi para essa crônica, pois todas as que li ate hoje, são impossíveis de serem esquecidas, por conterem teores espetaculares em seus conteúdos; deveras que agora, pensando bem, sinto que essa crônica também jamais esqueceria se a tivesse lido, pelo mesmo motivo das outras que li e acho ate que tenho o direito de postar novo comentario...Como nao poderia deixar de ser, tens o dom da escrita perfeita o que faz com que tenhamos sempre curiosidade em começar a ler tuas crônicas e nao deixar que nada nos atrapalhe ate chegarmos ao final delas, e posso garantir, sempre que leio uma crônica e chego ao fim isso me da um estranho sentimento de ansiedade e tristeza pois sempre quero mais, como se fosse um grito de Bravo! Sufocado na minha garganta e um pedido de" Bis ", porém um bis nao da mesma crônica, mas a continuação da mesma, por isso estou sempre querendo mais e muito mais!!! pois quando tenho a oportunidade de acessar esse blog e porque estou precisando me esquecer dos problemas que insistem em preencher meus dias, ou devido a querer sonhar junto com as palavras escritas um mundo novo para poder viver sem cobranças, frustrações, angustias,saudades, um mundo novo, só pra mim, entendes ?Onde os personagens desse meu "mundo especial" nao me causassem danos, nao me dessem tempo de sentir saudades por suas ausências, onde eu nao ficasse esperando um toque de telefonemas de pessoas, e que só de ouvir um simples "oi, estas passando bem..." fosse o suficiente para me tirar desse mundo que já sinto nao ser o meu a muito tempo. Sabes, eu nao queria mais chorar por dores nao merecidas, implorar por telefonemas nao dados, mas tão esperados, por aquele beijo que te alegra o dia todo, por amores mal resolvidos que se foram prometendo vir me resgatar mais que sumiram da minha vida e nao cumpriram suas promessas.Em fim, por tudo o que me causou frustrações, angustias e saudades.Melhor dizendo:- De todo o nao resolvido, que ficou pra traz por pura covardia de me acomodar e nao correr atras desses momentos que nao voltam jamais. Flora querida, desculpe esse meu desabafo; sou uma tonta mesmo, pois se me apressei em ler tua crônica foi devido a postar os elogios sempre a ti merecidos. Um grande beijo da tua seguidora e fã, Dora. P.S.: Me desculpes pela minha inconveniencia.

    ResponderExcluir